sexta-feira, 18 de março de 2011

Uma Nova Oração aos Moços - 08/12/1968 - "A Peneira" Nº 57 - J.UM

UMA NOVA ORAÇÃO AOS MOÇOS  


 (Título dado por Dr. Amilar da Cunha Menezes, Editor de “A Peneira”, ao discurso proferido por Dr. Rabello, como paraninfo da turma do Ginásio Virginópolis, em 1968. O Editor introduz o texto assim: "Para seus afilhados, legou o grande padrinho uma página soberba de antologia clássica, nos listéis da ciranda hodierna do melhor vernáculo.")

J.UM
Ginásio Virginópolis - onde Dr. Rabello foi Professor de História Universal, Francês e Inglês, por muitos anos.

Meus amigos,
A vossa escolha penhorou-me, e não sei como exprimir-vos o meu reconhecimento. A idade vai nos marginando, e, para dizer a verdade, seria eu o último a esperar vir a ser vosso paraninfo. A mocidade sempre surpreende, e, estudá-la, nos compensa dos sacrifícios que nos impomos, procurando cooperar com ela nos caminhos da sua vocação e do seu futuro.
Assim, peço a Deus que vos agradeça por mim. E a vossa turma há de ficar, com um relevo todo especial, no meu pensamento e na minha gratidão, pelo muito que sempre vos quis, e pelo excesso de vossa bondade.

Nós, os antigos, somos, por uma fatalidade recorrente em todas as quadras, levados a elogiar o passado e a subestimar o presente. Vivemos a evocar a Idade de Ouro. É natural. Nós também já fomos moços. A mente moça é cera plástica em que se imprimem hábitos e pontos de vista, que, quando velhos, continuamos a carregar conosco.

Daqui provem o atrito entre novos e antigos, daqui a incompreensão mútua, daqui os olhos fechados dos velhos, as reivindicações justas da juventude. A compreensão foi sempre necessária. E hoje o será talvez mais do que antes.

Cumpre-nos fazer uma ressalva. Nunca como atualmente, procuraram os mais velhos desconfiar das próprias fixações, para examinar os postulados trazidos pelos moços. Mas... Apesar de toda boa vontade, há incompreensões e há atritos. Nós, os de acima de 50 anos, fomos formados num sistema fechado, em que se cogitava de liberdade justa para a juventude. Nem liberdade de ação, nem de pensamento. A começar pelo lar, onde os melhores pais castigavam, sem maior exame, deslizes de somenos. A palavra da criança era vencida pela do adulto, muita vez, intrigante e malévolo. Na escola, no ginásio, no seminário, o simples fato de uma lição mal sabida, além da má nota que já de si é uma penalidade, trazia a descompostura, o ralho, a admoestação humilhante e, às vezes, o castigo.

Vede, meus amigos, donde viemos, e compreendereis que somos algo diferentes. Tenho ainda que frisar que as gerações passadas, apesar da formação rígida que as comprimiu, têm, no geral, um notável sentimento de gratidão para com seus mestres, sabendo ver neles as limitações, as malformações de igual pedagogia tiranizante e intolerante.

Temos os mais velhos muita coisa de comum. Não compreendemos o querer e não querer ao mesmo tempo a respeito do mesmo assunto, a prossecução de estudos aliada à não vontade de estudar, a improvisação intelectual, o orgulho jungido à nulidade Também não nos entra na dialética a falta de respeito aos valores morais e mentais. E quer parecer-me que, haja as mudanças que houver, hão de os valores eternos ser levados em linha de conta.

Meus amigos, sou contra o despotismo intelectual e moral, em todas as suas modalidades e considero uma das mais execráveis a opressão do capital. As lutas que se vêm travando, desde a reforma, são revanches contra a tirania do pensamento, contra o escravagismo do espírito, contra a opressão de uma sistemática autoritária, excelente para a minoria e para o cenáculo dos mandantes, péssima e odiosa para o rebanho dos mandados. É a humanidade enviesada e tão astuciosa que até na religião houve os dogmatizantes em demasia, fazendo-se passar como representantes da pureza da interpretação, mas entendendo a seu talante as palavras de Cristo e arrasando o lídimo espírito cristão que é, antes de tudo, o testemunho da caridade, acarretando assim para a verdadeira igreja, a malquerença e o ressentimento de tantas almas.

Bem sei do espírito de revisão que atualmente vigora, mas a revolta é ora tão agressiva que estão muitos na senda errada de postulados que implicam a negação do sobrenatural e, pois, na irresponsabilidade humana perante um tribunal soberano e supremo. Contra esse perigo devemos premunir-nos e não estender ao plano superior do nosso destino as reivindicações justas, quando situadas na esfera da vida presente. Que a nossa reivindicação não chegue à negação da autoridade constituída. Em todos os tempos houve a frase retrilhada da “época triste”. Pois a situação do mundo é agora de crise, na acepção etimológica do termo – “escolha, eliminação, momento decisivo”.

Sem ser entendido da teoria de Einstein, eu me atreveria a dizer que a estrutura social está atingindo uma quarta dimensão.

É de crise a hora nos relógios do mundo. Crise de pensamento e de estrutura social.

O estudo das elites científicas atingiu resultados surpreendentes, desde a desintegração do átomo. Foi a descoberta e a libertação de uma energia estupenda. E essa energia refluiu para o campo do espírito, ameaçando uma explosão em cadeia que poderá aniquilar os mundos morais.

A economia, antena sensível de toda transformação tecnológica, entra na crise com o seu “quantum” para a insatisfação geral.

O trabalho e as formas do aproveitamento da energia, desde o barco a vapor, o trem de ferro, a eletricidade, a navegação aérea, a desintegração do átomo, o rádio, a televisão, os computadores e cérebros eletrônicos transformaram o mundo em tal ritmo, que um século passa a valer por milênios na explosão humana.

A política continua no mesmo ramerrão das velhas estradas batidas. O reflexo, porém, da técnica na vida social é desconcertante.

O progresso científico está transformando todos os hábitos e modificando a vida. A penetração dos segredos da natureza trouxe ao homem a valorização de si mesmo. E como está toda a atenção humana dirigida para o mundo dos segredos da matéria, há a tendência irresistível para a revolta do espírito e para o gozo. É a crise. Creio que em nossa Pátria, além da que percorre o mundo, há a crise particular de crescimento, que eu chamaria puberdade do Brasil. Fase terrível, cujos tentáculos se projetam e a todos constringem, e confrangem e trituram. É essa a fase do Brasil que cresce quando se desencadeia, em torvelinho sobre as nações, a profunda revolução social e moral de que estamos falando.

É nessa hora que entrais para o palco da vida, meus amigos. Na hora propícia aos grandes desempenhos e aos grandes fracassos, para a apoteose que desejo colhais ou para a vaia estrepitosa que ireis evitar.

Tenhamos o pensamento vasto, o espírito aberto. Cultivemos a técnica da adaptação, no sentido de, relegando o realmente superado, nos preparamos contra o aniquilamento, na luta pela sobrevivência. Vereis coisas estranhas. E tereis de assumir, esclarecidamente, a liderança. Cultivareis a inteligência, a clareza das noções exatas, sem vos deixardes vencer pela tentação do materialismo e da negação. Talvez, em vossos dias, venham a transitar, pelas ruas e praças das grandes metrópoles, habitantes de outros planetas, desde ou de algum dos cinqüenta bilhões de sóis da nossa nebulosa, um dos quinhentos milhões de galáxias que compõem o universo, na opinião valiosa de Hermann Oberth.

Será uma crendice? Estai certos de que o desconhecido supera o que sabemos, como as planícies oceânicas excedem a superfície sólida de nosso globo.

Oxalá que eu me engane. Mas pelas causas se medem os efeitos. Um dos fatores determinantes do espírito de revolta, a intolerância dos dias passados, a tirania com que se quis e quer anular a pessoa humana. Infelizmente, tem o mundo o mau veso de supervalorizar a força física, subestimando a energia do espírito. Daí os resultados que estamos agora colhendo. O espírito não se oprime: solicita-se. O espírito não se anula: valoriza-se. O espírito é coroamento do mundo sensível.

Ah! Se compreendêssemos a profundidade do ensinamento de Juvenal – “máxima debetur puero reverentia”! Saberíamos avaliar toda a responsabilidade dos que orientam a mocidade, porque a rota seguida pelos jovens interfere com as estradas da Pátria e com os roteiros do mundo, e ressoa gloriosa ou tragicamente, nos bastidores do além. Sempre é verdade que os moços foram nascidos para o Senhor e hão de ser guiados para Deus.

Sede, minhas jovens e meus jovens, pertinazes no trabalho, detentores de reta intenção, de ânimo aberto à compreensão, à tolerância e à caridade, à cooperação, à valorização da pessoa humana.

Imitando o Divino Mestre, passai pela terra fazendo o bem, e que o vosso maior triunfo seja, como o de Jesus, o triunfo da bondade.





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