JOÃO RODRIGUES
J.UM
João Rodrigues era uma figura querida. Homem instruído, ele tinha humanidades do Seminário Menor. Cultivava as amizades mantendo correspondência extensa, e jamais lhe esqueciam os deveres sociais, as felicitações, nas ocasiões de estilo, as visitas que mantêm o calor da amizade.
Numa época em que não havia hotel ou pensão em nossa terra, era a sua casa a hospedaria de parentes e amigos, de pessoas gradas que por aqui apareciam. Figura de proa da política e da administração, membro de todas as comissões que visassem o trabalho pelo progresso da terra. Administrador da construção do Grupo Escolar tinha para com a instrução o desvelo de um pai. Ocupou lugares de destaque. Seguia com interesse o progresso no estudo dos filhos da terra que viviam fora, e sua palavra de alento terá sustentado muita vocação vacilante. Pai da pobreza, não houve aqui exemplo maior de socorro aos necessitados. Famílias viveram à sua sombra. Tudo natural como a luz do sol ou o fluir das fontes, sem alardes e sem queixumes de ingratidões repetidas. Dotado de grande distinção pessoal, educou os filhos numa linha impecável de fino trato, nas relações com ricos e com pobres. João Rodrigues era uma pessoa querida.
Ora, pois! Muita gente ainda se lembra da Jovelina do Cesário. Mulher honesta, trabalhadora, mas endiabrada, Jovelina tinha o dom do arremedo e da crítica. Em tudo sabia pegar o ângulo do pitoresco e do ridículo. Era uma chargista, uma espécie de Carlitos do sertão. Talento natural para contar com graça uma situação embaraçosa e descrever com mímica, as contorções da cara e a entoação exata, a fala do personagem de suas caricaturas. Onde estivesse a Jovelina estava a alegria, e os mais sisudos enchiam as pestanas d’água ao lhe ouvirem os casos.
A Jovelina tinha um filho de nome Francisco, criança de oito anos. De noite, depois de lavar os pés, enquanto a mãe ainda mexia na fornalha, recitava o Chico a doutrina cristã e dizia as orações de antes de deitar. Entre estas, a Salve Rainha, como de razão. O Chico debulhava as rezas que era uma beleza, com muito orgulho da Jovelina, que ainda mexia as panelas. Certa vez, terminada a oração, antes de lhe pedir a bênção para ir para a cama, ficou o Chico parado e pensativo. Depois, perguntou à mãe:
- “ Ô mãe, o Sô João Rodrigues é muito importante, não é?”
- Por que pergunta isso Chico? É claro: o João Rodrigues é homem principal. Assim como o Padre Félix, Seu Guedes, Zé Rodrigues, Professor Chico Dias, uai!
Outro dia, mesma pergunta, idêntica resposta. Ainda outro dia, tornou o Chico com a mesma indagação. A Jovelina respondeu: - “Meu filho, o João Rodrigues é um homem de fato, que todo mundo conhece e de quem todos gostam. O João Rodrigues é um homem muito importante, deveras. Mas porque é que você está sempre perguntando isso?”
-Uai, mamãe! É porque até na Salve Rainha a gente fala: “para que Sô João Rodrigues das promessas de Cristo!”.
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