segunda-feira, 14 de março de 2011

"Amicus Plato" - 19 /10/ 1969 – "A Peneira" N° 86 - J.UM


“AMICUS PLATO” 

J.UM


A impressão que gente civilizada há de ter, ao chegar a Virginópolis, é a de não termos aqui autoridades. Gente de galope a cavalo pelas ruas, como se estivessem no antigo Far West americano.

Crianças se esgoelando nas ruas, até dez horas da noite, a jogar pelada nos passeios, nas praças, nos gramados construídos com o suor do povo. Os pais não olham os filhos, não lhes ensinam fala civilizada, isto é, audível, entendível, mas não gritada. Nem as boas maneiras. Crianças viram moças e rapazes, entram pela casa adentro, sem ao menos dar bom dia aos donos do lar. Não só os berros dos futebolistas de rua são sinais de selvageria, como incomodam a quem tem que trabalhar em serviço intelectual ou estudar. Interessante é que todo mundo sabe que é proibido o ruído desnecessário e insólito, pelo Código Penal, que, em grande parte, foi feito só para aqueles que não receberam chá de educação em casa. Todos temos direito a relativa tranqüilidade. Todos que educamos nossos filhos, de maneira a não incomodar os vizinhos, transeuntes, os habitantes em geral, temos o direito ao sossego relativo. Devem as crianças brincar. Mas brincar não é viver gritando e infernando a vida de quem usa a cabeça para trabalhar e se aperfeiçoar.

Caberia às autoridades coibir esses abusos, sem respeito humano, sem medo de ofender a sicrano ou beltrano, ao compadre ou comadre. Quem está fora da lei não tem que se queixar quando é chamado à ordem. Existe ou não existe autoridade? Mas autoridade é para se impor, quando gritante, ao menos, a necessidade. Autoridade é para se tornar possível a vida social. Para condicionar um ambiente em que seja possível viver.

Nossa terra querida não gosta da verdade. Gosta é de atenuar tudo. É da meia tinta. É da cor parda. Eu de mim desconheço coisa mais vil que a falta de atitude, quando o dever é claro. Ser ou não ser.

Estamos na semana da comunidade. Das conferências sobre cooperação, espírito público. Enfim, sobre o nome profano da caridade cristã. Bem. Antes de falarmos de caridade, compenetremo-nos dos deveres que a justiça nos impõe. Antes de citarmos o sofrer com paciência as fraquezas do próximo, chamemos a atenção do próximo sobre a diferença entre fraqueza e relaxamento. Entre sofrimentos suportáveis e desprocedimentos que não deveriam existir, porque são contra o espírito de comunidade e radicalmente oposto à caridade cristã. Cooperar é bom. Mas é pouco. Antes de tudo, não atrapalhar.

Arre! Que verdades. Mas é sempre certo que “amicus Plato, sed magis amica veritas”.




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