DONA MEMÉ
J.UM
Faleceu em Belo Horizonte, no Hospital Felício Roxo, no dia 25 de Abril do corrente, às 21 horas, Dona Maria Salomé Campos Coelho, esposa do Senhor Francisco Coelho Sobrinho.
Virginópolis perde, com Dona Memé, uma pioneira. Sua vida foi uma lida sem descanso, cheia de trabalho, sofrimentos, iniciativas e realizações.
De rara inteligência, possuía um coração compassivo e uma inata ingenuidade aliada paradoxalmente a uma grande perspicácia.
De menina, predominava-lhe a ingenuidade, da qual se lembram exemplos anedóticos. Certa feita, seus irmãos menores, o Quim, Chiquinho e o Lico, estavam brincando de tirar duas águas para um moinho e um monjolo. Trabalhavam os dois primeiros de sociedade, e o último, sozinho. Como visse muito atrasado o serviço do Lico, e os outros dois já estivessem começando a arrojar vitória, compadecida, a Memé toma de uma enxada meia-lua e vai ajudá-lo, com tão pouca sorte que lhe pespega uma enxadada no alto da cabeça. O melado correu copioso. A mãe, Dona Augusta, que era da escola antiga, ao ver aquilo foi dizendo: “Eu vou te pagar direito, Memé.” Aí interveio o Juca Campos, padrinho da Memé, que por acaso tinha vindo à rua em meio da semana: “Ô minha tia, não faça isso. A senhora não vê como a menina treme e como está pálida? Ela já está castigada do que fez sem nenhuma culpa.” Vovó Augusta, desta vez atendeu e a Memé foi ajudar a por emplastro de assa-peixe com sal na cabeça do ferido, com um medo doido de o Luiz morrer.
Dona Augusta tinha uma empregada de nome Braga. Certa noite, após ouvir muita história de assombração e de alma do outro mundo, fez a Memé um trato com a Braga. Aquela que morresse primeiro vinha dizer à outra se salvara. E vai, daí a tempos, morre a Braga. A Memé ficou doida de medo, e de noite, aproveitando-se de uma hora em que o cadáver estava sozinho, foi rezar aos pés da defunta e pedir-lhe que tivesse paciência, não cumprisse a promessa. Belos tempos em que se cria de verdade nas coisas da outra vida.
A Memé fez um curso brilhante cheio de nove e dez, no Colégio do Serro, dirigido pelas Irmãs de São Vicente. As moças que por ali passaram, são testemunhas do rigor das disciplinas. Somente eram aprovadas as alunas que davam conta integral do currículo.
Dom Joaquim Silveiro de Sousa, sábio e santo, interrogado certa vez sobre sua opinião acerca do casamento, pensou um pouco e assim respondeu: “casamento e mortalha no céu se talha.” O casamento da Memé no céu se talhou. O namorado, tendo um aviamento como tábua, apaixonou-se e foi trabalhar com sua tropa em Goiás. Isso porque Dona Augusta achou que a Memé não devia interromper o colégio para casamento. O namorado, como se disse, não esteve pelos autos, foi para longe. Depois voltou e ficou noivo de outra. Mas, vendo a Memé de volta do colégio, já normalista, desfez o noivado e pediu casamento.
Foi um casamento feliz, apesar dos trabalhos e de muito sofrimento. A princípio moraram na terra – Patrocínio de Guanhães. Depois se estabeleceram no Divino. De novo na terra, mudaram-se em 1926 para Belo Horizonte, onde estiveram três anos e tanto, regressando a Virginópolis em 1930.
Em Virginópolis, foi Dona Memé professora e diretora do Grupo Escolar, dando grande impulso à instrução. Em 1943, mudaram-se para Governador Valadares, e, após alguns anos, regressaram à terra natal. Grande musicista e exímia tocadora de flauta, foi Dona Memé, em solteira, organista de coro, por pouco espaço. Cumpre aqui render homenagem a Dona Davina de Magalhães, Dona Lucília Rodrigues Coelho e Dona Efigênia de Souza, que abrilhantaram, por longos períodos como organistas e diretoras, o coro religioso de Patrocínio e Virginópolis.
Em Virginópolis, foi Dona Memé professora e diretora do Grupo Escolar, dando grande impulso à instrução. Em 1943, mudaram-se para Governador Valadares, e, após alguns anos, regressaram à terra natal. Grande musicista e exímia tocadora de flauta, foi Dona Memé, em solteira, organista de coro, por pouco espaço. Cumpre aqui render homenagem a Dona Davina de Magalhães, Dona Lucília Rodrigues Coelho e Dona Efigênia de Souza, que abrilhantaram, por longos períodos como organistas e diretoras, o coro religioso de Patrocínio e Virginópolis.
Durante sua estada em Belo Horizonte, lecionou no Grupo Francisco Sales, cuja diretora, Dona Rosália, muito a projetou, fazendo-a sua assistente secretária e diretora do canto.
Em 1930, por ocasião da Revolução de Outubro, fundou em Virginópolis, o Batalhão Feminino. Dona Memé não sabia marginar-se e tinha constante o fogo do pioneirismo. Fundou a Casa dos Pobres de São José e desenvolveu grande trabalho pela pobreza da terra. Sua obra tem sido continuada por outra notável pioneira, Dona Edith Coelho do Amaral. Podemos dizer que aqui, o feminismo bem entendido tem se projetado através das personalidades fortes e idealistas destas notáveis batalhadoras de que nossa terra tem dever de se ufanar.
Tão cooperadora e progressista era Dona Memé que, após doente, ainda ensinou harmônio a duas conterrâneas, desprovidos que estávamos de organista, com a retirada de Dona Efigênia de Souza, musicista e executante incomum, que por mais de trinta anos, prestou seu talento à música sacra de Virginópolis.
Tal a personalidade de Dona Memé, e tal a perda que sofremos. Dela poderemos dizer: “ab auditione mala non timebit.”
Fantástico!
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