segunda-feira, 28 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: A Serra - 14/04/1968 - "A Peneira" N° 20 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA:  A SERRA


J.UM

Serra do Caraça


De Santa Bárbara, a cidade que possuía uma custódia de 14 quilos de ouro maciço, partimos, após a missa, para o Caraça. Vinte de Agosto de 1916 foi um domingo. Viagem que não acaba, hein, minha gente? Mas olhem que são quase 40 léguas que estamos fazendo a cavalo, com as inevitáveis prosas pelo caminho e com o bom café dos ranchos de beira estrada.

Daí a pouco, começou a natureza a ralear ainda mais, à aproximação do Brumado e do famoso Arranca-Toco. Céus e montanhas muito azuis. A Serra do Caraça assomou ao longo com seus contrafortes e seus bastiões externos de base formidáveis, como as muralhas de Jerusalém do lado do Cedron. Desafiando o acesso, muros colossais esmorecendo a invasão e a escalada. O Caraça visto do lado do mundo, traz infalivelmente à lembrança o cenário da Hélade. É uma Grécia, uma colméia católica, uma Tebaida onde se podem reviver as façanhas espirituais dos eremitas do Egito. Fumaças em colunas ao longe indicavam a queima dos pastos pelo irmão João Mertens.

Colégio e Serra do Caraça ao fundo
No Brumado, uma parada em casa da família Paiva, com dois filhos no Caraça, o Modesto, ornamento do clero marianense, e o Joaquim de Paiva, que, morando mais perto, nos havia precedido. A família Paiva foi sempre excelente e morando quase na roça, que tal era Brumado, tinha modos finos e ideal elevado. O Modesto deixou voga no Caraça pela inteligência, procedimento, bondade e força física. Era o Modestão. O maior pistonista do meu tempo e enfermeiro de truz. Dessa gente boa que encontramos na vida e que só nos deixa saudade. Diz o Dr. Amilar que eu tenho o mau vezo de elogiar. Sim, a quem merece, porque estou cansado de ver tanta gente ruim, gente que não presta nem para se jogar fora, de gente que não vale duas pipocas e vive a se impor de grande. Destes, Deus me guarde, como diria o Gregório de Matos.

Começamos a subida. A chácara de Santa Rita, sala de visitas do Caraça antigo, esgueirou-se à esquerda, como uma carneirinha branca aninhada na serra. Com pouco, avistamos Cascata Grande grito de alerta das castas águas caracenses, antes de avançarem pelas águas turvas do mundo rumo ao Rio Doce.

Cascata Grande - Caraça
Estrada íngreme, áspera, na garupa viva da rocha. Milagre de construção do Irmão Freitas com seus negros escravos. Trabalho de gigantes. Paredões de blocos enormes trazidos do fundo do abismo espumejante para fazerem rebordo na anca vertical e lisa da serrania, onde antes somente grimpavam lagartixas. Lá para trás, o mundão de meu Deus, o pico de Itabira, de atalaia, espichando o pescoço curioso, olhos de esfinge que já tinham seguido o tropel dos bandeirantes. Da borda dos paredões, caía a vista nas grimpas dos adragos altíssimos e de outros gigantes da flora da beira d’água. Coitado de quem cair daquelas alturas, a não ser que grite “Nossa Senhora do Caraça”.

Lobo-guará em terras do Caraça

Nenhum comentário:

Postar um comentário