segunda-feira, 14 de março de 2011

Palavra Franca - 11/10/1970 - "A Peneira" Nº 110 - J.UM



PALAVRA FRANCA 

J.UM

A verdade jamais fará mal a alguém. É preciso dizer as coisas exatas na hora exata.
É porém mister coragem, quando se tem juízo para dizer certas verdades.

Nosso vigário é franco e corajoso. Foi à Holanda e viu lá o progresso já no píncaro dos países do velho Continente. A vida material exibe todo o conforto. O intelectualismo está plenamente triunfante. Todos os avanços da técnica lá se concretizam. Para nós cristãos, porém, ou melhor, para todos os deístas, para todos os crentes, somente o progresso material não resolve.

Religião supõe o sobrenatural. O sobrenatural envolve o mistério. Supõe barreiras ao pleno conhecimento, à intelecção acabada. Religião sem admissão do sobrenatural não tem razão de ser. Por que se destitui de finalidade. É inútil querermos escapar à conclusão lógica. Para o cristão tem o mundo de ser encarado “sub face aeternitatis”. Do contrário, fica quase tudo sem sentido, tornando-se a religião uma aparatosa inutilidade e uma palhaçada.

Na base da vida cristã tem que estar a fé, que supõe como base a humildade. Que é nossa inteligência? É muito nobre e devemos cultivá-la. Deus para isso no-la deu. Mas ela tem limites. O cognoscível tem uma periferia inultrapassável. Apesar de sua força e nobreza, não passa a capacidade intelectiva de uma candeia, se comparada à visão infinita, à ciência de Deus.

Sem compreensão de que há um plano sobrenatural, muito na religião é até inaceitável, podendo até parecer absurdo. Assim como há em nossa galáxia inúmeros sistemas planetários diferentes do nosso, há igualmente infinidade de galáxias, das quais o próprio telescópio de Palomar somente alcança uma pequena parte. Não atingiremos jamais todas as galáxias criadas a granel pela onipotência divina.

Se assim é, quando apenas encaramos a matéria,  nosso conhecimento no plano material jamais será perfeito, mesmo querendo devassar as coisas espirituais de modo a demonstrá-las como se demonstra a formação de uma equação ou como averiguamos o resultado de uma experiência de laboratório. Em tal direção esbarraremos fatalmente na descrença, arremate lógico do orgulho da inteligência.

A escolástica, aliás bem intencionada, distinguiu e subdistinguiu à saciedade. Adelgaçou finamente o espírito católico da Idade Média até ao terço deste século. Que conseguiu? Não um aumento de piedade, mas certa aridez: um avanço para o espírito, mas certa estagnação da alma.

Agora piorou a coisa. Os estudos apurados da Bíblia, o reexame das doutrinas teológicas, coisa em si bem louvável, estão trazendo à Europa o corolário lógico do racionalismo, isto é, materialismo.     

Quem estuda, peça a Deus a humildade, a submissão à revelação e à autoridade de Roma. Faça a Deus o sacrifício do espírito, na parte em que se deve guiar pelos tradicionais ensinamentos da fé. Não há sacrifício mais lindo, porque sacrifica nosso orgulho, reconhece nossa limitação. Se formos querer esmiuçar tudo e pedir contas a Deus dos seus planos, faremos o papel de criança que deseja colocar num buraquinho as águas do oceano. Nossa religião perecerá como pereceu a mosca azul de Machado de Assis. Temos tanta coisa a que aplicar nossa acuidade mental e nossa capacidade de compreensão, mesmo que ultrapassemos cem anos. Fé iluminada, sim. Mas dentro dos limites que nos impõe a revelação, dentro da obediência à orientação que de Roma nos vem. E se falei alguma heresia, Deus que me perdoe e não a passem vocês para a frente. O certo, porém, é que Deus resiste à soberba e dá sua graça aos humildes.

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