segunda-feira, 21 de março de 2011

Folhas Vivas - 08/09/1968 - "A Peneira" N° 42 - J.UM


FOLHAS VIVAS 


À Maria Helena  (Maria Helena Campos Coelho - sobrinha do autor)

J.UM


“Walt Whitman sabe tanto de poesia como um porco de matemática” – disse um crítico inglês, quando surgiu “Leaves of Grass” (Folhas de Relva). E em Boston: “Massa heterogênea de estilo bombástico, egoísmo, vulgaridade e bobagem”. Outro crítico chegou a dizer que o autor devia ser chicoteado em público, para prêmio de seu livro. O poeta começou a desanimar. Mas aí acudiu o Petrônio das belas letras, em Norte América, Emerson: “saúdo-o, no começo de uma grande carreira. Alegro-me com seu pensamento livre e ousado. Achei Leaves of Grass a peça mais extraordinária de finura e critério que já produziu a América”. A crítica desde então arrepiou caminho. Whitman é o poeta da América, um dos grandes do mundo inteiro. Não aconteceu isto com “Folhas Vivas”. Apenas um acanhamento, a mineirice da terra. Não tive que usar a delicadeza social do – está bonzinho – que tanto confrange a gente. Achei bom mesmo, porque é poesia. Maria Helena, pode continuar.

Tratando-se de poesia moderna, quando nós antigos achamos bom, é porque é muito bom. Não creio que os poetas de agora o sejam mais que os de outrora. Poeta é sempre poeta. Na poesia antiga, entrava muita coisa supérflua, confessemo-lo, e a gente se deixava embalar como na conjugação dos verbos: pelo ritmo regular e constante, bem preparado, pela rima caprichada e rica. Muita vez, numa porção de canteiros bem aparados, se colhia de quando em quando uma flor: uma imagem inesperada, um pensamento “pin-up”, uma mensagem subtil e mordente. A poesia de agora será, talvez, mais difícil. Tem que fazer pensar. A gente estaca, medita, acha o que quis o poeta e fica satisfeito, por se ter achado inteligente, como quando se resolve um problema ou se descobre uma jogada produtiva no jogo de damas. É o prazer estético: pólo ativo e negativo. O autor deixou alguma coisa para acharmos. A gente achou e é realmente gostoso. Depois, o ritmo largo, disfarçado, as quebras de ritmo até, dão variedade, descansam, sem trazer o sono.

Não acho graça quando os versos se fecham num círculo esotérico, se assemelham a charadas difíceis, somente decifráveis por um grupo de iniciados. Como vamos gostar do que não entendemos? Em “Folhas Vivas”, corre o verso com a naturalidade da bica, com a visão individual da autora, seu idealismo, sua faculdade de expressar o que a gente sentiu ou viu e deixou em silêncio.

“Ó moleque, aceite meu carinho – você sozinho encheria de raça - de graça – o meu Brasil!”. Coisa bem pensada, humana, terna e certa. “Papai Noel” é uma realidade de beleza. As águas do riacho cantam tão certo. “Dr.” Encerra todo o bem que quero aos médicos, admiração de criança que sempre nutri por eles. “Mar”: nossos paradoxos, o amor e o ódio, a vingança e o perdão, a bondade como arremate de todos os impulsos. Lindo! “Escudo-Brasão”. Eu tinha a veleidade de ainda cantar o São Bento, em prosa ou em metrificação (não poesia). A poetisa pegou o queijo no ar. E eu fiquei a olhar navios. Vai adivinhar, menina!

Quando ginasiana, em prova de História da América, Maria Helena botava de tudo... até História da América. E a gente ficava a pensar: esta menina vadia tem inventiva para escritora. Sim, senhores! Mais do que isto: saiu-nos poetisa. Com todas as letras.

Folhas Vivas. Cada folha é um espelho gravando um estado de alma. Uma fotografia que se prende à lapela. Folhas Vivas não vão murchar.



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