domingo, 27 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: Padre Cruz - 28/04/1968 - "A Peneira" nº 22 - J.UM


DO SÃO BENTO AO CARAÇA: PADRE CRUZ  

 J.UM 



Morreu o grande mestre. Como a cadeira de Rui, ficará vazia a sua cátedra. Porque ela tinha as dimensões dos assentos de pedra postados em círculo nos píncaros andinos, onde os problemas políticos dos pré-colombianos se debatiam pelos grandes chefes, os titãs de outrora. O jequitibá do topo da serra topando com o céu caiu glorioso.
Não norteará, de vivo, o jornadear dos peregrinos do idioma, com o saber brotado do cerne do instinto vivo da língua, aprimorado através do estudo diuturno e da incessante devoção.

Caiu o gigante da selva “selvaggia” do gigantesco idioma lusitano. Caiu. E o sulco deixado no seio desta selva é como o estirão tenebroso junto ao Cruzeiro, por onde se sumiu Adão primitivo, gerador de tanto sabedor obscuro, de tanto escritor ilustre, de tantos mestres nas cátedras do ensino secundário e superior. Morreu Padre Cruz. Num nome pequeno, encerrado um mundo. Um mundo de lutas e ideal. Anos e anos, a formar a mente do mineiro e do brasileiro, dos seus alunos, dos privilegiados, por ele guiados nos estudos da língua portuguesa. Estudo em profundidade. “Non multa, sed multum”. Ciência do domínio do alicerce. Arte concretizada na poliforme redação, limpa, deseivada do fraseado sem conteúdo e do verbalismo vazio. Da linguagem campanuda e do adjetivo sobrecarga.

Mestre da pureza da linguagem, do equilíbrio e bom senso. Da castidade vernácula e de respeito à estrutura cerrada da língua portuguesa. Da veneração pelos clássicos, mas com espírito aberto às inovações proveitosas que, ensartando-se na corrente da língua, lhe carreassem possibilidades novas de expressão e de estilo. Tradicional, sem casmurrismos. Evolutivista e censor severo das aberrações e dos atentados ao bom senso e à justa medida.

Como era de te ver, ó Mestre, o primeiro a penetrar na sala de aula. Como era de te ver, a abrir, cada dia, como bom capineiro no ervaçal dos roçados, novos eitos de limpeza no joeiral da nossa ignorância. Como era de te ver ensanchando vocações para as letras e dilatando horizontes aos buscadores do manancial literário.

Santuário da Senhora Mãe dos Homens
 - 1ª igreja neo-gótica do Brasil
vitrais franceses - o central
foi doado por D. Pedro II  na sua visita ao Colégio














         Eras o grande lidador. No Caraça, Santuário da     Senhora     Mãe dos Homens, assentaste a tua tenda aonde acorreram, como outrora os peregrinos, as chusmas dos torturados do ideal. Como Aquiles junto aos muros de Tróia, e como Nestor, o conselheiro inefável dos gregos, plasmaste na ciência e no manejo das armas da linguagem quantas turmas de novos lidadores, que continuarão a aplaudir-te, depois de morto, como o seu formador, o seu norteador e o seu paradigma. Merecias, antes de cair siderado por tua única vencedora, o título de pai da Pátria, se for, como é verdade, no juízo perspicaz dos povos da velha América, que as Pátrias se definem nos idiomas em que se expressam.

Morreste! Mas na brisa caracense, que de mel e de aroma da língua te ensandalou o espírito, perpassará a tua presença. Lendário em vida, serás, na memória dos pósteros, enquanto houver no Brasil o apego à boa língua, a lendária imagem do beneditino do idioma e do mestre perfeito, do bandeirante de tantas turmas que contigo partiram à cata do ouro da linguagem vernácula. Como na brisa do Caraça e no cenário do apocalíptico de sua beleza, será tua presença uma constante no pensamento e na saudade dos que te devem.

interior da1ª igreja neo-gótica do Brasil

Santa Ceia do Mestre Athayde
Relíquia do Caraça

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