J.UM
Na descida da serra para dentro da bacia caracense, vamos encontrar à nossa direita, sem o haver transposto, o ribeirão do Caraça, que antes vinha à nossa esquerda. Quando cheguei, não dei por isso. Indo buscar-me para as férias do terceiro ano, estranhou meu pai esse fato. Expliquei-lhe que passara por cima do rio. É que o ribeirão do Caraça, logo abaixo dos Taboões, mergulha na terra, como cobra de duas cabeças, ou como outro Alfeu, e rompe, cem metros à frente, para sacudir a juba prateada ao se projetar na Cascata Grande.
É o Funil. Caraça misterioso, produto das violências geológicas, inconfidente das falas do Todo Poderoso. No Caraça tudo é grande.
Esta estrada, hoje abandonada, deve ter sido a segunda que botou o Caraça em comunicação com o Nordeste. Já no tempo dos lazaristas, talvez tenha havido outra passando pelo Engenho.
Ao tempo do Irmão Lourenço, havia a estrada do Inficionado e também a estrada da Verruguinha, por onde, ainda em nosso tempo, o Dr. Francisco Veloso, caracense antigo, médico da casa, vinha mensalmente de Ouro Preto, no seu burro pelo de rato, pachorrentamente, por aquele trilho incrível, passando pela Fazenda da Alegria já então dos ingleses: 15 léguas.
Pela estrada do Inficionado, passou o gordalhufo Dom Frei Cipriano, que a renegou, como a tudo que era do Caraça.
Se era Frei Cipriano homem de vida santa, sempre é verdade que, atrás da montanha, outras montanhas há, e São Vicente e o Irmão Lourenço eram muito maiores do que ele. Deus lho haja perdoado e lhe haja mostrado, lá do céu, os jesuítas de São Vicente formando um clero admirável em Mariana, Diamantina e na maioria das dioceses do Brasil, bispos santos e luminares intelectuais, como um Dom Silvério e um Dom Joaquim. Porque São Vicente, o grande doutor da caridade e o maior homem do século de Luís XIV, cometeu um único engano, levado por uma excessiva modéstia, ao apelidar sua congregação de Pequena Companhia. Na verdade, os lazaristas foram sucessores dos jesuítas, e, se aqueles lançaram os fundamentos da cristianização do Brasil, foram os lazaristas os maiores formadores do clero brasileiro. Dirigindo um colégio como o Caraça, “alma mater” da instrução e dos grandes políticos brasileiros, possibilitaram a eclosão dos maiores tribunos do Senado e da Câmara e de um clero que honrou Minas e o Brasil. Dando missões poderosas pelos rincões mais longínquos do território das altaneiras e de todo o Brasil, foram os segundos jesuítas que mantiveram acesa a luz da fé em nossa Pátria , para o entrechoque moderno do livre pensamento e do respeito a Deus.
Foi por aquela estrada que nós, do Patrocínio de Guanhães, com a curiosidade de meninos e o medo do desconhecido, galgamos para o Caraça, naquele 20 de Agosto de 1916, um domingo, que ficou para nós um marco histórico. Era o Tonico, muito meu amigo, falecido há anos, o José Erasmo, idem, o Elifas, ex-prefeito, com aquela cara de santarrão que conserva até hoje, o José Lourenço, luminar da erudição em Belo Horizonte , o José Júlio, inteligência peregrina e coluna lazarista, o Luís Amaral, escritor, economista de nomeada, citado em livros técnicos de agricultura e cooperativismo, que voltava para o quarto ano, e este seu criado, que vocês sempre perdõem, por tanta conversa comprida.
Alunos citados no texto e matriculados em 1916 no Caraça Cópia do livro de matrícula do site oficial do Caraça |
Nenhum comentário:
Postar um comentário