quinta-feira, 17 de março de 2011

Cometa de Virginópolis - 12/04/1970 – "A Peneira" Nº 99 - J.UM



COMETA DE VIRGINÓPOLIS 


J.UM                       
                                                                                                                                                                 

Cometa Halley
                                                                                                                                                                                                                                                     1910. A madrugada estava calada, num cismar assombrado. Havia já dias que um gigantesco albatroz luminoso dominava os estendais do horizonte. Ele estava numa longa viagem, num périplo elíptico pelo sistema solar, de 76 anos, tempo suficiente para que alguém nascesse, adolescesse e se mirrasse.
                                                                                                      
Vi o cometa de Halley, cometa para valer! Reinava um silêncio de fim das coisas. Ele estava deitado, como um gigante luminoso, dialogando em silêncio com a Terra. Era um diálogo sem palavras. Ali estava o andarilho formidável, que retornava dos confins do sistema solar, onde enxergara os arraiais das galáxias, como cães agachados ante o mistério das eras. Vira as migrações das planuras do Irã, na confusão das línguas, na era remota em que os filhos de Cam tinham a pele alva e ainda não distinguiam os descendentes de Sem - os olhos oblíquos e as maçãs salientes. Vira na terra as florestas formidandas dos fetos e dos animais de vinte a trinta metros de comprimento. Assistira ao pavor e à fuga dos operários de Tiuanaco, quando os Andes se ergueram do Pacífico, como a serra de um Iguanodonte gigantesco. Viu o heroismo de Esparta nas Termópilas, e a derrota dos persas em Salamina. Viu cem mil operários construindo Quéops e viu José governando o Egito. Ouviu o ribombar dos trovões no Tabor e presenciou o incêndio do templo de Diana em Éfeso. Viu César lutando nas Gálias e Virgílio meditando a Eneida. Viu a glória de Napoleão em Austerlitz e viu-lhe a agonia em Santa Helena.

E o silêncio impressionante assim falava: "o meu João Batista é um nome em chamas". Flammarion errou genialmente. Porque eu sou a matemática do espaço, onde geram milhares de léguas os desprezados milionesimais  de uma tábua de logarítimos menos perfeita. No balé interplanetário, nossos giros e nossas andanças se combinam harmônicas, na demonstração visual dos cálculos de Deus. Não transporeis as lindes de minha elipse gigantesca, nem crestarei as comas das florestas com os incêndios de minha loura cabeleira. Não projetarei no espaço a ferver, em golfadas, os caldeirões transvazantes dos mares.

Cometa Halley
Porque estou amarrado aos pés do eterno, como o Cérbero guardião das fogueiras do cosmos. Crianças que agora me vedes! Oxalá que, dobrados ao peso dos anos, ainda uma vez me vejais, sempre novo. Porque, no progresso de nossa idade, são os cometas de cem milhões de anos, como corredores calouros do espaço que contam cem mil anos por dia. No meu retorno matemático, praza aos céus que eu encontre na Terra mais humildade e mais crença. Porque eu vi Anibal atravessando os Alpes e Alexandre estemecendo a Terra.

Assim falou, por madrugadas, em silêncio, o Leviatã do espaço. O Cometa de Halley, a coisa mais impressionantemente bela que os sexagenários de hoje jamais viram. Ainda lhe vejo a cauda imensa e cintilante atravessada no horizonte. Vejo-lha ainda a cabeleira rutilosa, orvalhada dos fogos das estrelas e dos reflexos das galáxias.

Oh luminário do espaço, que em 1986, deslumbrarás de novo as paisagens egoísticas da Terra - "morituri te salutant".

Cometa Halley


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