quarta-feira, 23 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: Juventino Dias - 23/06/1968 - "A Peneira" N° 31 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: JUVENTINO DIAS


J.UM

Quando o vi, a primeira vez, foi em 1916. A casa-matriz de Santa Bárbara era um nome que corria o Nordeste mineiro. “Fulano de tal vendeu o café para o Juventino”. Bastava dizer “Juventino”, como quem diz o Presidente do Estado ou o Papa. O Cel. Juventino Dias era o fornecedor do Caraça. Toda semana vinha a tropa, arreada pelo Pedro, pegar o mantimento ou a mercadoria, em Santa Bárbara.


Passaram-se os anos, e, mais tarde, em Belo Horizonte, via o Coronel Juventino Dias entrar nos cinemas, apoiar-se com as mãos numa cadeira da última fila, com aquele seu jeito discreto e simpático. Ficava-o olhando. Sempre o mesmo, porque, de 1927 a 1938, aquele homem se conservava tal qual em 1916. Desses homens operosos cuja velhice era retardada pelo contínuo afã. Bem dizia o antigo adágio: “ Vita in motum”. Já então eu sabia pelo Coronel Amaral, com quem Juventino caxeirou, que partira este da estaca zero rumo à grande fortuna de que veio ser detentor. Alguns que saíram do zero financeiro e conseguiram enricar, costumam, pelo medo, pânico de reverter à pobreza, tornar-se mesquinhos, de uma avareza e egoísmo revoltantes. Isso não aconteceu a Juventino Dias. Embora seja o capital um valor real em si, a gente gosta de ver homens que valem muitíssimo mais que seu dinheiro.

Juventino Dias é um valor moral. Enriqueceu pelo trabalho tenaz, pela honestidade comercial, pelo descortino dos negócios e pela rara prenda de ser amigo daqueles com quem negociava. Para o político e para o alto negociante tem suma importância ser bom fisionomista.

Contou-me uma sobrinha que, quando estudava no Pio XII, sendo já fim de ano, precisava de cinco contos de réis. Não tendo tempo de pedir dinheiro ao pai, no interior, dirigiu-se à Irmã Superiora. Esta conversava, na portaria, com o Coronel Juventino Dias. Enquanto a menina se entendia com a superiora, Juventino nela reparava. Depois, lhe perguntou donde era. Ao responder-lhe que era de Virginópolis, indagou dela o que era do Chiquinho Campos. Disse-lhe a moça que era sua filha. Juventino foi logo tirando os cinco contos e lhe entregando. Fazendo a moça cerimônia em aceitar, disse-lhe Juventino: “Ora minha filha, seu pai é meu amigo antigo. Aceite, faço questão. Seu pai depois me paga. Bem eu estava vendo, pelos traços, que você tinha de ser parenta do Chiquinho”.

Gestos como este revelam um fisionomista e um caráter. Juventino lidara, em Santa Bárbara, com centenas de tropeiros, e não se esquecera de um deles, que não via, cerca de trinta anos atrás.


prédio com sinais do incêndio
Quando nos chegou a triste notícia do incêndio do querido Caraça, lembrei-me logo do Coronel Juventino Dias. Agora acabo de saber que a Fábrica de Cimento Itaú vai entrar com todo o cimento necessário à reconstrução. Quando m’o relataram, disse comigo mesmo: “aposto que há aí o dedo do Juventino”. Fala-se tanto contra o capital. O capital é a reserva da operosidade e do dinamismo. E Deus faça que haja sempre capitalistas como o Coronel Juventino Dias. O amigo certo, na hora incerta – “amicus certus in re incerta cernitur”.



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