segunda-feira, 21 de março de 2011

Fechando o "O" - Outubro de 1967 - "A Peneira" Nº 1- J.UM

FECHANDO  O  “O”


J.UM



Virginópolis - MG - avistada do início da Serra do São Bento


 Foi uma excursão formidável, a minha do dia 22 de Agosto de 1967. Projetava fazê-la com o Compadre Jayme e com o Prof. Abelar.
Compadre Jayme enchia-se de planos e entusiasmo, com aquela força que sabia por em tudo.

Deus dispôs de outra forma. Mas eu fiz o giro, em companhia do meu Compadre, o qual viajou comigo, na união do pensamento.

Saí ao meio dia, desci a estrada da Sapucaia até apanhar o Rio Corrente, a duas léguas e meia daqui; subi-o, pela margem esquerda, varei acima da Cachoeira da Fumaça; subi a Fazenda do Povo, Córrego da Fortuna, Cachoeirinha, São Bento, e cheguei em casa às 9:15h da noite.

Com fome de lobo, mas descansado e feliz. Aos 63 anos, senhores!

Narrei depressa o giro, mas, se fosse narrar a emoção, os pormenores, ultrapassava o espaço concedido pela “Peneira” fina.

O caminho da Sapucaia foi um cobertor, de palmo de espessura, de poeira, com o sol a me zurzir as costas. Quando, porém, alcancei o Corrente e entrei pelo “Pinga-Fogo”, estrada de peões e cavaleiros, vi como o progresso é entravante e ressecante. A estrada do Pinga-Fogo, sim; sem a blasfêmia da máquina de abrir estrada, sem a zoeira e o “talento” de chatear de um certo veículo da Drogatel (“dá licença, tenho que fazer uma entrega”); sem nada disso; a estrada macia, a laje chegando até ao caminho, mostrando suas “grutinhas de Belém”, suas raizonas de imbé; os lajões, dentro da garapa do Corrente, de onde eu esperava, à toda hora, ver surgir o caboclinho d’água tão afamado; as árvores, com os cipós enfloridos; flores douradas, flores purpurinas; os passarinhos cantando as modinhas antigas de quando eu tinha dez anos; o sol a se por, à minha frente, avisando-me que apertasse o passo, a fim de chegar à Fazenda do Povo, antes de escurecer.
 

Rio Corrente
 
O Corrente, misterioso, à esquerda, vinha-me lembrando nomes e cenas antigas, contando-me leituras passadas nos quase 23 anos em que vivi fora, no Caraça, Petrópolis, Belo Horizonte, Nova Lima. Quando escureceu, faltava-me uma légua e três quartos para vencer a parada, talvez duas léguas.

Escureceu. Do outro lado do Corrente, o João Vermelho lambia uma capoeira e parecia uma festa pirotécnica ou uma noite da Revolução de 30.

Camponeses espantados quase me tomavam por assombração. E eu, cortando, cada passão de légua e meia. Como a viagem rende, à noite!

Em frente à Fazenda do Chiquinho Campos, os cachorros dele esqueceram-se de que são meus parentes. Eu lhes gritava: “Gente! Nós somos parentes! Além disso, pelo menos em Virginópolis, acho que sou uma celebridade!”. Mas qual! Se não falo grosso e não finjo, no durão, que não tenho medo, teria sido um Felipe dos Santos, rasgado e arrastado por cães.

O Cruzeiro do Sul que me vinha sempre à esquerda, ficou para trás, lá nas alturas do Vau. Mas o Escorpião, - oh! signo formidável, - não me largou. Andava-me por cima da cabeça, chamejante, faiscante, dizendo-me: “ânimo, velhinho! Nós não bulimos com ninguém, mas nossa flecha está sempre pronta. Vivemos debaixo das lapas, levamos vida sedentária, somos anti-sociais, detestamos o trabalho obrigatório; nossa estocada é, contudo,
sempre rápida e certeira. Somos a legião dos incompreendidos, dos hereges solitários, amigos dos alfarrábios, das civilizações extintas; somos hereges cheios de fé no imprevisível e no impossível. Mas procuramos pensar. “Macte animo, generose puer, sic itur in Viam Gloriae (Rua da Glória)”.

E eu era como “um canto ardente pelas ondas sem fim, boiando à toa!”

Às 9:15h, cheguei, esfomeado, mas durão. Graças a Deus. Aposto, entretanto, que vocês estão cansados (licença, tenho que fazer uma entrega!).
-Drogatel Araújo


Residência de Dr. Rabello (sobrado de janelas verdes),
 na Rua da Glória, em Virginópolis, MG.

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