CONVERSARIA
J.UM
Nota-se, nos dias de hoje, uma contradição entre o avanço da ciência e da técnica e o nível moral de grande parte da humanidade. Era natural que, quanto mais avançada a fachada material do mundo, mais requintada se tornasse a delicadeza humana. Tal não tem se dado, infelizmente. Nunca será consectário do progresso o sistema brutal de alguém se apresentar e de conviver. Consectário lógico, nunca. É uma contradição, um contra-senso algo chocante que se não espera e que não deveria acontecer. Certas expressões e modo de agir em reuniões, em ambientes de decência e mesmo de cerimônia, acusam um recuo do comportamento humano, um modus vivendi do homem das cavernas, se é que ele existiu. Usando uma expressão condizente com a gíria grosseira tão em uso: modo de gado no curral.
Muitos não têm contemplação com ninguém. Não querem compreender ou estão mesmo perdendo a faculdade do entendimento. Então, para que gastar cera com defunto de esteira? Usemos, quando mister, o modo de falar direto: gado no curral.
Foi sempre uma norma de cortesia, de formação moral, de delicadeza e da atenção que merece o próximo, guardarmos o silêncio quando fala um orador, quando assistimos a um filme, quando ouvimos uma novela. Estamos ali para ver e ouvir não nos interessando o que está pensando fulano ou sicrano. É um gozo íntimo a que temos direito absoluto. Fizemos sacrifício para comprar um aparelho. Trabalhamos com o cérebro e temo-lo cansado. Quem não tem nervosia é porque tem cérebro de rato que não pensa, não estuda, não gasta matéria cinzenta. E ninguém pode gastar o que não tem: nemo dat quod non habet.
Deixem, pois, que os outros gozem uma féria mental. Vivam um pouco a fantasia. Descansem. Fujam à realidade dura das coisas da vida da terra. Não nos tirem da fuga da evasão, da sublimação, do sonho acordado. Não arrastem cadeiras. Não façam ruído com os pés, lembrando botas brutais de soldado raso em pátio de quartéis. Os outros estão seguindo a novela. Qualquer ruído os perturba e desnorteia. Saibam conversar com voz educada, não estralada. Saibam sustentar o próprio corpo. Saibam sentar-se sem se parecerem com animais se espojando. Tudo isso é cortesia primária, cuja violação não se escusa nem em casa. Não é necessário saber-se o abc para se ter noção do prefácio da urbanidade. Isso é polidez primária. Não é requinte. É condição de vida em sociedade. É caridade. E disse São Francisco de Sales, e disse muito bem, que a cortesia é a fina flor da caridade cristã. Não incomodemos os outros. Mortifiquemo-nos para que os outros vivam com prazer. Sempre que fazemos um ato de polidez estamos praticando uma bonita forma de caridade. Mais do que caridade: é uma justiça a que tem direito o próximo.
Saibamos fazer tudo no momento oportuno. Lá diz o Eclesiastes: “omnia tempus habent.” “Tempus tacendi et tempus loquendi.” Sigam o conselho clássico de Roma: age quodis agis. Este negócio de dois ferros no fogo não dá certo. Chupar cana, assobiar e puxar cavalo, simultaneamente, são coisas incompatíveis. O bom mineiro segue a regra de ouro. Gosta muito de chupar cana e de outra coisa. Mas não na mesma hora.
Certos hábitos denotam egoísmo, moleza, falta de autocrítica e de consideração pelos outros. Se um velho é capaz de sentar-se por duas horas sem fazer rinchar uma cadeira e numa pose conveniente, por que há de um rapazinho ou uma mocinha sentar-se numa cadeira vice-versa o contrário, todo encarangado e escarranchado? Por que há de uma mocinha precisar do escabelo de mais uma cadeira? Que se há de esperar de uma mocidade assim molenga e lambazada? São sós os moços que isso fazem? Quem dera!
Não nos interessa que alguém seja rico ou instruído. Não nos interessam as idéias políticas, filosóficas, econômicas ou religiosas que tenham os outros. Interessa-nos que não nos infernem a vida com seu egoísmo, desconsideração e maus modos. Eu, por mim, prefiro um ateu polido a um católico sem educação. Tempus tacendi.
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