quarta-feira, 30 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: A Porca - 28/01/1968 - "A Peneira" nº 08 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: A PORCA


J.UM                                           

  Ao meio da noite quando já começava a segunda etapa de sonhos, um barulho. Acordo, por último, como até hoje, e vislumbro um luzir de dois tições manejados pelos camaradas, Barnabé e João Avelino. Um grito estridente e grunhido. Era uma porca, dessas que têm o rubro amor da bóia, que se safava, esbordoada, mas preso à tromba meio quilo de bom toucinho roubado à capoeira, onde  guardavam o produto.


O Elifas, meio aprumado no colchão, por cima do couro de boi, olhava com aquele olhar espantado, expressão máxima de sua emoção, antes de falar qualquer coisa  gaguejada. Risada gostosa do Tonico. Gargalhada franca do Zé Júlio, quando o ridículo de uma situação lhe agulheta o cérebro.

Ah! Sim. Virar para o canto, dormir de novo, antes que os outros durmam tudo, fixando a lição de moral que me deixara a porca do João Farias: personalidade, persistência, agarrar o toucinho e não o largar, haja o que houver, paulada ou não paulada.

Na antemanhã, quando os galos da fazenda davam as últimas corridas de saxofone para a entrada da aurora no palco do dia, já soava no curral o toque do cincerro do burro da cozinha. Bufado soprado dos animais, virando o bornal para o alto, numa cadência ritmada para que os bagos de milho lhes descessem às bocas aradas. A melodia sugestiva do moca a cair na palangana, o cheiro bem vindo do feijão na gordura legítima, para o almoço antes da partida. Todo mundo de pé se estremunhando rumo às bicas, para tirar a ramela dos olhos, o sebo da orelha e o visgo dos dentes.


Arrear  os animais. Os cavalos e burros, tendo achado bom pasto, tinham as barrigas abauladas, ar alegre de quem está bem disposto para mais sete léguas. Vamo-nos embora. Gema de terra do nordeste, com tuas árvores frondosas, teu capim meloso, teus adragos, assapeixes, jacaré, lagartixa, embaúba – cabeleira de corpo fértil – ir-te-ás mudando, perdendo a tua força até a natureza do Caraça, com pequenas árvores de terra seca, pedregosa e areenta. Tu não tens o perfil olímpico das montanhas azuladas, cheias de titãs de pedra. Tu és feia para quem em ti não nasceu. Mas hás de ficar no nosso sangue, a vida inteira, e serás sempre para nós a mãe risonha e bonita de seios fartos e de leite gostoso.

Vamo-nos para frente, minha gente. Pra frente rumo a Ferros. Vamos ter a primeira grande emoção da vida.
                                                                            
Ferros antiga










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