segunda-feira, 14 de março de 2011

Humberto Reis - 24/07/1970 - "A Peneira" Nº 105 - J.UM



HUMBERTO REIS 


J.UM

            O programa de Sérgio Bittencourt tenderia, pelo talento, espírito de pioneirismo de seu responsável, a arejar a televisão mineira e a modernizá-la. Nós mineiros orgulhamo-nos de nossa formação clássica, de nossa sisudez, de nossa delicadeza, senso de medida e discreta compreensão. Infelizmente, na Capital Mineira, onde há tanta gente fina e intelectuais de valor, onde Minas tão bem se representa em seu senso grave de ordem, há umas salas-de-visitas que podem levar os de fora a uma desagradável impressão sobre nosso povo. Ninguém nos supera no hábito da hospitalidade, no afã de valorizar o visitante, de fazê-lo sentir-se em casa e de lhe repetir que tenha a bondade de perdoar não podermos tratá-lo como desejaríamos e como merece.

            Sérgio Bittencourt, personalidade forte, talentoso, boa cultura, muita leitura, compositor musical, entende das coisas da música, da televisão, dos meios artísticos de comunicação com o povo, merece nosso aplauso e tem nos tratado com raro cavalheirismo e valorização das coisas das Minas Gerais. Está, porém, assessorado por uma equipe que o atrapalha. Essa equipe nos deixa uma impressão penosa. Por ela, seria o povo mineiro mal avaliado quanto à sua cultura, compreensão, tolerância, gentileza, cavalheirismo e instinto de delicadeza e hospitalidade.

            O visitante, cujo retrato em branco e preto se processa, tem que ser entrevistado sobre sua vida, sua opinião a respeito de música, de compositores, de cantores, programas, etc. Não se trata de uma discussão ou de um debate. Pouco interessa aos telespectadores, aliás, não lhes interessa a opinião dos assessores ou entrevistadores. Interessa, sim, a opinião certa ou errada, do retratado. Vê-lo crivado de perguntas impertinentes, descabidas e inoportunas, zombado, escarnecido, de maneira selvagem, irritante, grosseiríssima, faz a gente envergonhar-se e temer que se julgue de Minas por aquela equipe, que se tem mostrado primária, exibicionista, de terceiro time, uma propaganda contra Minas, retratando-a como terra de botocudos se é que os botocudos são assim agressivos e descorteses, do que duvido muito.

            O Humberto Reis, homem singular, de valor, enfronhado dos assuntos de sua especialidade, biblioteca viva das nossas tradições musicais, repertório da história de nossa música e da vida de seus autores, cantores e executantes. Projeção nos meios de comunicação. Homem muito lido, e de seu tempo, merecedor de respeito e de simpático acolhimento. Viu-se, no entanto, hostilizado, maltratado, insultado. Humberto pareceu-nos um gigante compreensivo, incomodado por anões que lhe seria facílimo pulverizar. Mas, homem educado, de largo trato social, já chegado ao tope donde se vêem as duas escarpas da montanha, sofreou seus impulsos. Sofreu os abusões, perdoou as injúrias, sem um tapa. E fez muito bem porque, no auditório e no recesso dos lares, havia mineiros de bom senso, mineiros hospitaleiros e cultos, mineiros de compreensão e horizonte, gente fina que julgou um e outros e deu a vitória a Humberto Reis. Quando este se proclamou talentoso, conhecedor do latim, do sânscrito, do grego, das línguas neo-latinas e germânicas, é claro que estava fazendo blague. Não é necessário espírito atiço para logo se atinar com o humor de um homem culto e equilibrado que assim se anuncia. É o caso de a gente saborear a novidade, a direção singular de uma apresentação ao público inteligente que aplaude e imediatamente apreende a bondade.

            Cada um escolhe seu modo de apresentação às massas e, se o de Humberto Reis é singular, nada tem de inconveniente ou de chocante. Quanto mais que ele logo se define pela urbanidade, pela valorização e humanidade com que julga os outros. Vir chamá-lo às contas sobre isso? Fazê-lo cantar e dizer que cantou mal, que nada entende de música? Quando ele cantou bem, apesar de não ser profissional. Isso é grosseria, é vaidade de calouro, é desconhecimento de vivência, é primarismo e bisonhice demais da conta.

            Sérgio, você é ótimo. Cuidado, porém. Os de casa estão-no atrapalhando. Lembre-se da Escritura: “inimici hominis domestici ejus.”






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