quinta-feira, 17 de março de 2011

Padre Félix - 24/10/1971 - "A Peneira" Nº 129 - J.UM

PADRE FÉLIX 


J.UM


 Dizem as doutrinas da India que, se conseguirmos uma concentração perfeita de espírito, pelo espaço de um minuto, num desses sessenta segundos se nos revelará o deus que há em nós. Isto está de acordo com a narração bíblica de que nos fez Deus à sua imagem e semelhança.

Quando lemos a Escritura meditando e lhe conferimos as passagens paralelas, torna-se a Bíblia um campo inesgotável em que se desdobram os ângulos de visualização, uma mina em que se sucedem infinitos veios do metal loiro. Já num outro passo da Escritura - Novo Testamento – pergunta Jesus aos Fariseus de quem era a imagem cunhada na moeda romana. E eu fico a pensar em que, um dia, há de Deus perguntar-nos qual a imagem que está gravada em nossa alma.

A imagem de Deus que trazemos em nós representa o ideal. Somos chamados a aperfeiçoar e a avivar os traços de semelhança com o Criador. O inimigo antigo que representa todas as forças do mal luta por apagar, obliterar em nós a imagem divina. O anjo sublimado mas decaído, que aterrissou de tamanhas alturas, luta para que com ele nos pareçamos, já que a salvação é um eterno renascer.
 Padre Félix, quis o senhor Prefeito que, na falta de voz mais poderosa e sábia, a minha se fizesse ouvir nesta reinstalação de seu busto em praça pública. Tua vida foi uma luta. Nas horas de concentração, talvez te haja surgido o segundo da iluminação da tua pergunta a Deus: “Senhor, fizeste-me para sacerdote ou para político?” E a resposta, talvez se tenha vindo: “ambas as vocações”. Se as almas precisam de um guia, o arraial e o distrito necessitavam de um líder. E praticaste também a política, mas no sentido elevado de zelar pelo progresso de uma terra que a adotaste como tua. No serviço continuado a Patrocínio de Guanhães e a Virginópolis, juntamente com teus companheiros de liderança política, foste “o primus inter pares” na etapa gloriosa da independência administrativa e da emancipação de Virginópolis. Ponhamos em relevo, nesta hora, a grande alma e inteligência de Getúlio de Carvalho e a representação do saudoso Dr. Euler de Sales Coelho, com cujo apoio contaste em todos os momentos.
O que é o ideal humano? É algo fantástico e como extraterreno. Algo estupefaciente com que sonhamos. São como  píncaros do Himalaia ao longe, para onde se dirige nossa conquista. É até, muitas vezes, algo que parece terrífico, algo que se diria impossível de se vestir a túnica da realidade. É uma luta continuada. Diz com o homem, com as apalpadelas  da alma humana em seus últimos termos, sondando os abismos do espaço, buscando o testemunho dos sóis mais remotos e de espectros de arco-íris. É uma orgia de imaginação dentro de nosso cérebro. Um poema que se adianta em ritmos poderosos até o frio tumulto dos conflitos interestelares contra as arremetidas das hostes astrais, contra o flamejar de nebulosas no fundo negro do cosmos. Nesse poema majestoso e doloroso como um calvário, nesse safari aventureiro por desertos  escaldantes, há a constante da flébil voz humana, como um chilreio queixoso em meio ao alarido dos planetas incendiados, ao ulular dos cometas desgrenhados; ao desmoronamento troante dos sistemas cósmicos. É a eterna interrogação humana, a busca de si mesmo e da verdade. Este eterno e interrogante lamento da voz humana é como a marcha fúnebre de um mosquito entre o trombetear  e o barrido de elefantes e o rugir de leões nos areais ardentes. E quanta vez, nessa jornada em busca do ideal, quando já estamos a lhe vestir a túnica da realidade, vem ela a queimar como a Hércules a túnica de Nessus. E felizes daqueles que, ao atingirem as planíces áridas da senectude, já deixaram realizada uma parte centesimal das esperanças com que partiram no vigor dos anos.

Tua vida sacerdotal ja foi julgada por vozes competentes como a de Dom Joaquim Silverio de Souza, Dom Manuel Nunes Coelho e Monsenhor Francisco Batista dos Santos, e por outros grandes missionários que por aqui mourejaram. E não é mister que ponderemos o que fizeste e o que sofreste pelas almas em 52 anos. Foste bandeirante. Foste pioneiro no sentido árduo do termo. Tua presença na consciência do povo, após tantos anos, ainda continua.  Por muitos anos se poderá dizer de ti o que de Bonaparte disse Hugo; “On parlera de lui longtemps”. Pregaste a sã doutrina, pugnaste pela ortodoxia, combateste o exagero e a ênfase, foste tolerante o quanto te permitiu a consciência. Compreensivo sempre. Bom conselheiro e leal amigo. Foste realmente do povo e para ele era a tua casa a mais aberta desta cidade.

 Teu valor político foi afirmado por vozes como a do Dr. Lupciano Serra e Artur da Silva Bernardes.

Por tudo isso estamos em praça pública, pela segunda vez, cumprindo o mandato de edilidade de Virginópolis, nesta homenagem. Tua presença aqui irá de ser perene. Por que o tempo projeta cada vez mais a medida da tua grandeza. Este centenário da Paróquia é teu pela metade, pelos 52 anos em que floriu em nossa terra tua presença sarcedotal e cívica. Tu viverás nas orações que diariamente subirão a Deus, porque é incorruptível a semente da boa fé antiga e da ortodoxia estrita em que plasmaste a alma virginopolitana. Tu serás lembrado a cada toque dos “Angelus” que soar na torre desta Matriz que foi o teu sonho e tua coroa de glória. Tu serás imortal como o é a vocação de Virginópolis para o exercício da dignidade humana. Imortal como este bronze em que se fundiu  o teu busto que, a sombra e sob o resguardo da Senhora do Patrocínio, há de ver, cada vez mais rediviva na  moeda de ouro de Virginópolis, a imagem da bondade de Deus. Nesta lira em que descansa o teu busto, hão de soar, na voz da brisa e no ciciar da prece, teus louvores. E aqui,  em frente à tua igreja, sob as bênçãos da Virgem, e abençoando Virginópolis, aguardarás serenamente, a “justiça de Deus na voz da História”.



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