quarta-feira, 23 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: "Nossas Mãe Ficou Chorano" - 14/07/1968 - "A Peneira" nº 34 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: "NOSSAS MÃE FICOU CHORANO"                       


J.UM



Prédios do Caraça

O Sete de Setembro era uma beleza. Era um feriado notável. Após o almoço, uma reunião sem cerimônia, sob a comprida coberta que dividia o pátio interno.Cada aluno recebia um pacote de balas das mais gostosas e cinco bombas que, atiradas, sem dano às paredes de pedra, estrondavam num tiro redondo e roliço. Discursos de representantes de todos os anos, do sexto ao primeiro. Os padres vinham ouvi-los. Tudo uma algazarra, uma expectativa, principalmente pelo discurso do representante dos calouros. Mais tarde, uma bodega, isto é, um piquenique com tutu mineiro, arroz muito claro, carne de porco e vinho pagão.


Para o Sete de Setembro de 1916, o Pe. Moreira, o disciplinário, o Pe. Prefeito, como dizem hoje, escolhera para orador dos novatos um garotinho de Patrocínio de Guanhães, o mais novo e menor da turma. O garoto jamais falara em público, e era o único que iria discursar sem papel na mão. Um quartanista, o Genesco Rabelo, redigira-lhe o discurso, e o menino decorou-o como o Padre Nosso. Falar diante de todos os padres e perante aquela turma supercrítica de estudantes caracenses, não era brincadeira. Além disso, seu discurso iria ser o primeiro. Nem oportunidade de ouvir um dos oradores, para observar-lhes o tom de voz, o acionado, etc. Não há dúvida, há gente que nasceu para Cristo, e, quando assim é, o jeito é pé na tábua e fé em Deus.

Na véspera do grande dia, o Pe. Moreira subiu com o oradorzinho ao salão de teatro, ergueu-o sobre o proscênio, e foi dizendo: “tenha a palavra o meu bravo!” Todo acanhado, mas desses que morrem sem ceder ao medo, abriu o verbo e disparou de uma chispada, do começo ao fim. “Bravo, meu valente! Está ótimo. Amanhã, você faça assim” – disse o bondoso e alegre Pe. Moreira.


CARAÇA - José Rabello Campos, seminarista assentado, e colega de pé.



No dia seguinte, sueto, isto é, feriado. O recreio era um fervet opus de barulho e alegria. O orador vinha escaldado de medo, desde a véspera. Aquelas 24 horas tinham sido de angústias e ânsias íntimas, uma verdadeira vigília de armas, velando o fantasma do medo. Era a primeira disciplina que tomava o novatinho. Guardá-la-ia a vida inteira, aguentando, firme, os suores do terror sem dar a entender o seu Calvário, com aquele pudor exagerado e aquela férrea rigidez digna de um corpo menos insignificante.

Meu Deus, como sofrem os acanhados, os que têm noção do ridículo, máxime quando, criados à barra da saia e insulados, não lhes dá o ambiente subsequente a oportunidade de se extroverterem por completo.Sofrerão, à vida inteira. Saberem que Ruy Barbosa era tímido e tímida a talvez insucedível Greta Garbo – ser-lhes-á o único consolo triste.


Começou a festa. “Tenha a palavra o orador dos novatos!”  “Meus senhores! Nós...” Aí o Pe. Rubin, um padre alto e bonitão, de exclamar, quando a custo descobriu o pequerrucho: “Ah, não! É preciso que todo mundo veja o orador!” E foi apanhando o orador como quem levanta cinco quilos, e colocando-o sobre uma mesa enorme. “Agora, pode soltar o verbo!” E o novatinho partiu a 180. Vermelho como tomate, olhos esbraseados, tendo de tudo uma visão confusa, mas firme a voz e segura a memória, sem um tropeço. Não foi um discurso, mas uma récita em voz alta e disparada, aflito para chegar ao fim. O novatinho não sabia inglês, mas  sentiu o que dizem os americanos do norte naquela sua expressão – “to face the music”, isto é, passou um aperto desgraçado. Falaram, após, outros oradores. Na “palavra franca”, apareceu o palhaço. Sempre os há em toda parte. E são a delícia da vida. Apesar de sumamente torvado, pode-lhe o novatinho apreciar o desembaraço fácil e o à vontade naquele discurso clássico: “povos e povas do Caraça! Nesse catastático epicédio, não podendo sopitar as fulgurações que incendeiam as grimpas da minha oratória, quero apenas afirmar, - de público e raso, - que o mundo marcha. O mundo marcha... Mas para onde marcha, senhores? Bem fez o Brasil que dormindo estava, quando o barulho da portuguesada de Cabral desembarcou nas praias do Norte. O Brasil continuou dormindo quando Pedro I gritou “Independência ou Morte!”. Dom Pedro gritou, porque não tinha educação, porque não se grita quando está alguém dormindo. A cama, senhores, é uma instituição nacional. É mais do que isto. É um instituto jurídico, como há de dizer mais tarde um cérebro iluminado. E, antes de nossa Constituição, já estava o Brasil dormindo. Bem disse o notável Osório Bate Estrada: “Deitado eternamente em berço esplêndido...” E por aí  foi, entre os bravooo e vivôooo. Festa esplêndida.

E, nos dias seguintes, outro Osório, este um carioca, saía atrás do novatinho, pelo recreio a fora: “esse porcariinha sobe em cima de uma mesa e fica gritando que nossas mãe ficou chorano em Patrocínio de Guñeis”. E o novatinho: “seu nariz é que eu falei “nossas mãe ficou chorano”. Foi o Genesco que escreveu meu discurso. E o Genesco sabe português, não é um segundo anista da rabada como você”. Era isso que o Osório queria: era chatear. O Osório era um ótimo rapaz. O novatinho é que tinha e sempre terá muito mais orgulho que tamanho.

Virginópolis antiga - MG (ex Patrocínio de Guanhães)






Um comentário:

  1. Muito bom querida amiga. Nesse dia dos pais como é bom comemora-los com a alegria que os presentifica em nossas vidas.

    ResponderExcluir