domingo, 27 de outubro de 2013

Viva la Gracia - 15/12/1968 - “A Peneira” Nº 58 - J.UM



 VIVA  LA GRACIA 

J.UM















A calçada tem saudades do tesouro
da tua sombra,
dos sulcos da bicicleta
que levava a glória
do teu corpo louro.

Tua expressão de espanto...
quando o olhar dos passantes te despia,
e eras como Vênus Afrodite,
cheia de espuma de platina
a clematite de teus cabelos cariciosos
com quem amor brincava e não se via...

O verdureiro,
com ar de roceiro,
e que pasmava a te olhar,
não era o ingênuo que cuidavas.
Ele, astuto, te olhava
e, no sossego da noite,
ao lado da meeira,
te despia também
 e em ti cismava.

No silêncio da noite,
teus ombros redondos,
teus ombros de luar,
eram convite insatisfeito,
eram lindos demais,
e os veleiros do mar
arfavam no teu peito.

Quanta insônia por ti!
Quanto desejo oculto,
quando os homens, ao longe,
divisavam teu vulto!

Houve, sim, muito e muito adultério,
tanto adultério, tanto, em pensamento,
por causa do mistério
de teu encanto,
que o vento, às vezes,
semi-desnudava.

Que é agora de ti
Vênus Calipigia?
De ti ficou a lembrança
de teu olhar de pássaro,
de teus cabelos louros,
de teu jeito de criança.
Ficou de ti a graça
revivida no sonho
do silêncio da praça...


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