quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Se Eu Pudesse - 15/08/1970 - “A Peneira” Nº 106 - J.UM



SE EU PUDESSE 

J.UM


À filhinha Dulcinéia






Ah! se eu pudesse

voltar a ser jovem.

Aquelas manhãs alegres.

Aqueles dias azuis, de muito sol.

Aqueles crepúsculos que falavam

de coisas suaves que morriam.

Aquele sábio incompreender do instinto

que sabe mais que a vida adulta.



Como tudo era claro para mim.

Eu falava a língua sintética

dos cavalos e dos cães.

Eu estava mais perto de Deus.

Porque eu era a unidade.



Eu via a dor da árvore que morre.

Sentia a derrota do galo vermelho

que fora o chefe do terreiro

e que agora vivia macambúzio

sob as moitas do quintal.

Doía-me a velhice agravada

do cavalo Rosilho,

que fora o mestre sem par

da andadura suave.



Como eu sabia tudo.

Eu era como índio asteca

que se encerra em si e tudo sabe.

Que procura no regaço materno da terra

consolo à frustração

que o Ocidente criou.

Que é calado,

porque é inexprimível

o infinito que pensa.



Ah! se eu pudesse voltar à mocidade.

Regredir ao infinito

que eu fui.






Nenhum comentário:

Postar um comentário