quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Oração - 08/05/1969 - “A Peneira” N° 73 - J.UM



ORAÇÃO

J.UM


À Bernadete (Maria Bernadete Campos Coelho Pinto, sua sobrinha.)
















 Senhor,

   eu vou fazer minha reza,

   tal qual os três seguintes. 


Negro

da Costa, preto feito carvão,

pixaim branquinho,

de olho vidrado de velhice,

entra na igreja.

E, em frente do altar,

direito como toco preto de queimada,

fala com Deus:

“Patrão, negro véio tá aí”.


Soldado,

praça antiga, cachaceiro,

desordeiro, dorminhoco, alambazado,

vergonha do Batalhão.

Entra e vai para o meio da igreja.

Olha para o altar-mor,

(que para ele são três)

e, aprumado, levando a mão direita junto à pala,

mão esquerda comprimida contra a coxa,

ajunta os calcanhares,

trovejando os sapatões,

e bate continência:

“Pronto, Siô Comandante,

Soldado Fulugenço se apresenta!”


Cachorro,

velho e gafento,

vem da rua apanhado,

sacudindo a vassoura.

Entra na sala, corrido.

Vai para junto do dono

bota abaixo aos pés dele.

E fica olhando, de manso,

com olhos de quem gosta muito.


Senhor!

Eu sou o negro preto, de pixaim branquinho.

Eu sou o praça antigo,

vergonha da Gloriosa,

campeão do xadrez.

Eu sou o cão miserento,

que vive apanhando.


Senhor!

Tu és o meu dono,

meu comandante

e meu patrão.


Eu venho a ti, Senhor!

Fico calado, porque não sei rezar,

mas, se eu não vier a ti,

para onde é que eu hei de ir? 






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