terça-feira, 29 de outubro de 2013

Tio Sam - 20/10/1968 - “A Peneira” Nº 51 - J.UM




TIO SAM 

J.UM



                                  
Oh! que saudades que tenho

dos meus sete anos!

Minha avó,

a vovó melhor que já existiu,

trouxe, de Belo Horizonte,

naquele tempo distante,

um brinquedo para mim.

E nunca mais eu vi um brinquedo assim.



Era um velhinho, de fraque vermelho,

desses fraques que os franceses,

que não têm o que fazer
  
chamam de pet-en-l’air.
 


Vestia uma larga calça riscada,

vermelho – branca.

Usava cartola alta,

em cuja fita azul,

havia um bandão de estrelas,

muito mais que no Cruzeiro do Sul.



O velhinho era montado

num arame preso em mola,

entre duas hastes de madeira,

que em baixo se afastavam.

Quando a gente as apertava,

um barbante torcido se desenrolava,

e o velho voava em roda viva.

As abas do fraque se abriam em leque,

e o moleque, ele todo, era um chiste,

rodopiava com as pernas ao léu.

E bem certo estou eu

que foi ele o inventor do swing e do twist.



Era uma girante peneira,

uma lançadeira maluca.

Ficava doido que nem um fuso

ao movimento confuso

de mãos de mulher.

E quer me parecer que o sacana do velho

se divertia a valer.



Oh! como eu gostava dele!

Eu era analfabeto,

um menino roceiro,

e, naquelas calendas,

eu não sabia, é certo,

que ele não era brasileiro.



Eu brincava com ele, o dia inteiro,

no terreiro,

e sonhava com ele, toda noite,

e, logo de manhã,

antes mesmo de lavar o rosto, já se vê,

eu botava o velhinho naquele fuzuê.



Só após muitos anos,

e, para falar bem,

só depois de eu menino ficar velho também,

descobri que o velhinho brejeiro

era um tal de estrangeiro,

chamado Tio Sam. 



Era de desconfiar.

O velhinho imponente, aprumado, correto,

tinha qualquer coisa de malícia no olhar.

Que velhinho esperto!



Que velhinho da pólvora quente,

minha gente!

Ah! Meu velho Tio Sam,

hoje sei quem tu és.

Tu tens pintado os caramujos,

neste mundo de meu Deus, pois não?

Tu tens caiado o padre

e rebocado o sacristão.                      



Por nossa amizade, Tio Sam,

deixa de pisar os negros,

larga negro de mão.

Negro tem cabeça dura,

só se acaba na mistura,

como aqui no Brasil.



Ah! Tio Sam, toma cuidado.

Não vá o amor de tantos anos,

após mais outros desenganos,

se alienar de ti!



Sobretudo, sobretudo, fica avisado:

Não mates, Tio Sam,

mais outro Kennedy!






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