quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lá Vem a Água - 15/09/1968 - “A Peneira” Nº 46 - J.UM

LÁ VEM A ÁGUA 

J.UM

 

Lá vem a água

da Fazenda dos Campos,

da Serra do São Bento e Paraguai.

É uma serra só com dois nomes.

Serra de verdade.

Serra do São Bento, com perobas de  verdade.


Serra que verteu para a Terra

a primeira água da cabeceira da chácara.

Serra que mandou o primeiro Carioca

passear em nossas ruas,

cantar em nossos chafarizes.

Padre Bento dando tiro sem chumbo

no turbante medroso.

Zé da Cunha, com a verruga no nariz,

lavando cedinho o rosto ao chafariz.

Cozinheiras com os potes à cabeça,

esperando as companheiras,

para o break do umbigo ao fogão.



Chico Rosa, de madrugada,

correndo as bicas,

desde a rua do Buraco,

espiando, pegando os segredos da noite,

as atrapalhadas do Luís da Ritinha,

e os restos de serenata

do Artur Teixeirinha.


Quanta coisa ficou, Serra do São Bento,

que nos dás o cascalho melhor

dessas Minas Gerais, o maior,

cascalho sem igual,

que não gasta cimento.


Lá vem a água.

Será que eu era capaz,

só com linha e compasso,

traçando paralelas e perpendiculares,

trazer a água cantante,

do terreiro do Cássio,

até junto ao quintal,

do Dr. Amilar?


Que importa? Lá vem a água.

Não mais chistose, giárdia, amarelão.

As crianças, de agora em diante, terão

a pele rosada e fresca,

dentadura perfeita.


Lá vem a água da Fazenda dos Campos.

Trinta trabalhadores, de enxada e picareta.

Manilhas brilhando à noite,

à beira da estrada.

Carretéis rebrilhantes ao clarão do luar,

quebrados impiedosamente por moleques sem pais.


Vamos depressa, vamos deitá-las,

ligadas com capricho no canudo das valas.

Aí vem a tratora bulhenta, serena e certa.

E a estrada vem vindo, vem vindo em linha reta.

Onde havia o meloso, é uma fita sangrenta.

Vamos para a frente.

Sem sangue não há progresso.

O progresso vem vindo caminho do poente.

Rua da Glória em Virginópolis - 1ª casa à esquerda, janelas verdes, residência Rabello Campos.


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