quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Adeus - 6 -12/04/1969 - “A Peneira” Nº 71 - J.UM

ADEUS 

J.UM


                                                                    












Adeus, meu sonho!

Não sei para onde vou,

ou se ainda nos veremos.


Que nos espera?

Ver-nos-emos jamais,

meu irmão sonho?



Éramos, dois malungos,

ou dois colegiais,

que andavam sempre juntos

e se entendiam bem,

para quem

a vida era bonita

e o céu de renda e chita

tinha uma graça infinita.



Você trazia na boca

um sorriso brejeiro

que fazia 

estralar de riso

por qualquer tolice,

seu companheiro.



Lembra-se?

Íamos, pela manhã,

olhar os passarinhos.

Sabíamos de cor

as músicas dos ares.



Às vezes, íamos escutar

lá no fundo da grota,

uma fonte conversadeira,

ou prosar com o cavalo de engenho,

em frente à cachoeira.



Lembra-se daquele galo seresteiro,

que varava o dia cantando

e cantava a noite inteira?

Parecia ter nascido

antes da música.



Ficávamos, alta madrugada,

escutando bater

a porteira da estrada,

pondo sentido

nos desafios dos galos

orquestrando a melodia de açúcar

do luar claro.



Mais tarde, o coração batia forte,

no efêmero triunfo ilusório,

ou no fracasso

estável como pobre teimoso

à porta do pão duro.



Punhamo-nos também,

dentro da noite escura,

a recitar poesias

de José Albano e Fagundes Varela,

Padre Antônio Tomás

e Henriqueta Lisboa.

Ou “a pedra no caminho”

Do poeta de cara amarrada

como o Cauê.



Ou: “Não! não quero nos meus braços

a memória de teu corpo”

- do ministro Francisco Campos -

E quanta coisa mais?

Nem sei o quê.



Gostávamos de ir ver o pôr do sol,

do alto do Paraguai.                                   

Você e eu sozinhos.

Eu e você.



Era lindo o pôr do sol.

Vermelho, roxo, cinza.

cobalto, esmeralda e topázio.

O São Bento era um recorte verde,

no cinto da tarde loura,

verde e brilhante, lembrando

um espelho bisauté

no proscênio da noite.



Depois,

quando a terra se mirava

no espelho da lua cheia,

voltávamos nós dois

tropeçando e olhando

o rosário da cidade tranquila.



Agora, a festa se acabou.

Desçamos a montanha da vida,

Mas, antes da descida,

quero olhar, uma vez mais,

as voltas dos caminhos bonitos

que ficaram para trás.



Ai!...

-Faça de conta que não ouviu.

Foi o estalar da corda

do coração cansado...



Coitado do meu coração!

Trabalhou tanto para mim!

Judiei tanto dele!

Obrigado por tudo, coração!


Quando eu morrer,

quero uma flor no peito.

Flor é a mulher de sempre,

é o sonho perfeito.




                  
Você, meu sonho, é a flor.

Quero morrer, com você

no canto do meu leito.

Ou no leito de uma estrada.









Morrer com você ao meu lado,

Vendo a bênção de Deus

nas safiras dos céus.

Ah! eu me sinto tão cansado!


Adeus!

Adeus, meu companheiro!

Agora, meu sonho,

meu irmão siamês,

vamos ver a realidade

do ser ou não ser.






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