CACHOEIRA
J.UM
Ao poeta Wulmar Coelho
A água eclode
da mãe d’água,
em olhinhos
empapuçados,
no umbral dos
caetés e dos palmitos.
Desce a
grota, suave
e vai cair
chorando
pela pedreira abaixo.
Água
que cai chorando
pela
pedreira abaixo,
pela
pedreira escura
da Fazenda da
Cachoeira.
Pedreira
escura e grave,
donde
o córrego se despenha,
cantando
em riacho,
num
sudário de prata,
que
apalpa mansamente
o
busto, a cintura
e o quadril
de granito.
Pedreira
escondida,
retirada
e feliz,
indiferente
ao que passa,
pois nada há
de novo abaixo do sol.
Olhando
a grota,
solfejando,
no eco,
a
cantarada dos pássaros
à
canícula
ou
o sussurro de embalar das serras
dentro
da névoa transparente, à noite
sob
a lua crescente,
que
acaricia a carne do teu corpo nu.
A
pedreira sonora
recebe
vozes e gritos
e,
em ricochete, os devolve,
na
inutilidade aparente
de
tudo que é virgem,
guardando
seus pensares,
em
sigilo.
Pedreira.
Permanência
de
tudo o que é grande e triste.
Poema
da solidão.
Presença
do humano
no
coração das coisas.
Intuição
dos grandes silêncios
que
falam e cantam
só
para si.
A
água já fez cintura
no
teu talhe de mulher,
uma faixa de negror
no
teu busto discreto
de virgem esquiva.
cheia de esses,
de sussurros e cochichos,
de sussurros e cochichos,
num
segredar de moças
de
fazenda antiga,
na
carícia da noite,
quando
as amarras se soltam
e
o amor ulula
na
crista da evasão pagã.
Pedreira, que ouviste o estampido
dos
vulcões primitivos.
Vês
o sol, há que milênios,
no
subúrbio da Via Láctea,
e
a placidez da lua,
singela
durante o dia,
vestida
de vedete à noite.
Viste
animais enormes,
nas
eras da terra quente.
Estegosaurios
e dimorfodontes,
erguendo
a fronte hirsuta
da
cabeça escamada,
a
beber, a vinte metros de altura,
no
sulco de tua cintura
de
Pomona das águas.
Repetes,
com a mesma calma,
aparando
no peito o berbequim dos raios,
o
ribombar do trovão,
a
trovoada surda
dos
queixadas acuados,
as
clarinadas do potro amoroso,
o
mugido lírico do garrote crioulo
e
a tosse agarrada do zebu indiano,
a
buzina do vaqueiro de chapéu de palha
e
o rufar surdo de tambores em luto
dos
aviões a jato
a
estender, no comprimento do céu azul,
o
pavio de algodão macio.
Ah!
pedreira!
Amei-te
cedo
que
desce sobre ti
qual
madeixa de platina,
mede
a tua altura
de
poetisa da solidão.
Eu
pensava, de menino,
que
eras a porta do inferno de Dante
e
que o eco poderoso de tua garganta
eram
os gritos de algum precito.
Hoje,
tu me evocas
a
Esfinge do Egito,
o
olhar que sonda o futuro,
no
ar de descrença
de
quem já viu
crepúsculos
humanos,
numa
força tranquila,
no
estado de graça
de
quem vê no que passa
o sentido do eterno.
Ah!
eu também sinto
a
linfa a borbulhar no peito,
a
me cantar lá dentro
coisas
serenas.
Eu
tenho visões internas.
Mas
essa visão perene
não
tem a fala companheira
a
arrebentar do centro
da alma da pedreira.
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