domingo, 27 de outubro de 2013

Desencanto - 08/12/ 1968 - “A Peneira” Nº 57 - J.UM


DESENCANTO


J.UM



Na minha mente, sem aviso,
penetrou uma luz antes ausente.

Quisera matar-me o pai angustiado.
Por fim, caíra exausto
na funda poltrona.

Passado o perigo, olhava-o.
Os ombros trementes, soluços estrangulados,
imagem da depressão, do desencanto,
de coluna quebrada,
da noite que não termina em dia.

O revólver na cintura,
a calma ferida de sua voz,
calma terrível, calma forçada
de quem tem vergonha de gritar.
Defesa do desespero do homem injustiçado.

Pensei nela. Sua estrela da tarde,
ali crescera.
Lera, engolfada naquelas poltronas.
Brincara no pátio.
Enchera a casa de alegria.

Saíra, de manhã, para a escola.
Saíra, toda manhã, para o ginásio.
Absorvera as dúvidas da cultura.
Enchera de clichês errados
a mente ingênua e pura.

Ele a vira crescer. Por ela lutara.
Amara nela a projeção de si mesmo.
E ela se fizera bonita.
Alta, flexível, simpática, perfeita.

E eu... e agora era aquilo.

Pausa amarga para pensar.
Eu que não pensara,
que estivera sozinho no meu egoísmo,
no meu egoísmo ignorância.
Eu que mudara os planos dos valores da vida,
roubando a flor-pureza àquele ideal.

Eu decaíra do plano de homem
Um à toa, irresponsável.
Corpo vestido de homem,
fantasma de arrozal afugentando
as aves cândidas da esperança.

Pobre criança,
mas era tarde.
Aquele homem bom
não matara um covarde.


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