quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Cantando - 15/06/1969 - “A Peneira” Nº 77 - J.UM


CANTANDO


J.UM



                               
O córrego limpinho,

cor de espelho de cristal,

desceu do monte,

num leito de pedrinhas brancas,

pela várzea risonha

coberta de flores.



Cantou na fonte

da primeira choupana,

dando alegria ao pobre,

embalando as crianças de mama,

cantando,

dentro da madrugada clara,

canções que aprendeu

com a mãe d’água.



Seguiu pela campina

e foi topando

outros córregos meninos,

inexperientes de sair de casa,

cantando, assim mesmo,

pelas veigas e barrancas.



Juntaram-se-lhe e foram

cantando,

em caravana de ribeirão,

fazendo gemer monjolos

-him! bagadão! -

pondo os rodízios dos moinhos

em loucos remoinhos

de risadas de espuma,

na moagem do milho,

fabricando a farinha cheirosa,

a farinha branquinha.

 

Já então os outros córregos,

entraram temerosos

no grande ribeirão azulado,

que rola pelos prados,

como um papa-léguas escolado,

perfurando florestas

e cantando em pequenas cachoeiras

nos fraguedos.



Mais córregos vieram

e pequenos ribeirões

juntar-se ao ribeirão de respeito,

o manda chuva da região.


                                                                                     
E, de um dia para outro,

sem mesmo saber como,

virou um grande rio

de tronco abarrilado,

como o fuste de uma palmeira

enorme,

deslizando pelas terras,

arqueando-se em catadupas,

bramindo pelas encostas das serras,

caindo em borbotões estrondantes

da garupa de pedra de ferro

das escarpas dos montes.



Foi tangendo canoas e barcaças,

navios pequenos até,

vendo vilas, cidades e arraiais

e os arranha-céus orgulhosos

de cidades tentaculares.



E foi cair, num preâmbulo

de pororocas sonoras,

ensurdecendo os ares estáticos,

no mar grande e anônimo,

cintando a terra redonda,

como um Palomar monstruoso,

a fitar o horizonte leitoso

das galáxias.






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