quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Só... 07/09/1969 - “A Peneira” Nº 83 - J.UM



SÓ... 

J.UM















Eu andava sozinho

na noite escura,

pelas ruas de pedras desiguais.



A noite era uma cortina

negra e redonda,

cheia de silêncio.



A lâmpada solitária

partia a noite ao meio,

numa tira comprida

que fazia doer o silêncio.



O silêncio era um disco

com a gravação de todas as músicas

e de todas as línguas.

Continha os poemas de Homero

e as parábolas de Cristo.



Se a agulha da lâmpada solitária

pungisse o disco escuro,

eu poderia ouvir os versos de Homero

e as palavras de Cristo,

as zombarias de Voltaire

e as gargalhadas de Schopenhauer

ao beber a cerveja do Reno.



Ah! Se a noite falasse!

As palavras tombariam

da abóbada negra e redonda,

numa chuva incessante

de inumeráveis átomos,

numa miríade de arco-íris,

fantásticas e evanescentes,

como  flores caindo de um cesto,

das arcadas misteriosas das trevas,

no lago escuro do silêncio.



Mas a noite não fala.

E o inverno tem alcatéias de noites,

como lobos pretos em reserva,

para soltar nas planícies solitárias da alma,

ladrando tristezas que se não articulam

e latindo medos

que fazem a vida inútil,

sem resposta à dúvida

sem alívio à solidão...






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