quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Homem Cruz - 30/05/1969 - "A Peneira" N° 75 - J.UM



HOMEM CRUZ 

J.UM

               
Ao Dr. Amilar




Fantasma do arrozal,

resíduo dos mitos da infância

que nos faziam banzar.



Ele era sagrado,

na postura hierática

do homem-cruzeiro.



Coitado!

Colocado entre o brejo e o céu,

zelando a sovinice humana,

proibindo aos passarinhos o esbulho do arroz,

o tira-jejum da manhã,

o prazer de estalar as bagas gostosas,

separando as casquinhas da noz

dos grãozinhos claritos,

daquele jeito oblíquo

do bico.



E ele fica esperando, esperando

o madurar dos grãos,

aturando dias de sol

e noites frias.

Fitando as lonjuras

e ouvindo o ribeirão.

Somente na cheia ou na crescente,

há noites de música pororocada,

em bateria ritmada

da sapalhada.



Às vezes, passam pássaros em bando,

marrequinhos azuis,

o arranca-milho, o papa-arroz.

E, às vezes, sobe à tona

em borbulhas sonoras,

a voz da saracura

que aprendeu a cantar

com o ribeirão.



À noite, correm por sobre o charco

piripampos e fogos fátuos,

enquanto uma coruja antiga

enche o escuro de arrepios

com suas gargalhadas de bruxa desdentada

ou gritos esguios

de alma penada.



Na colheita,

cortam em feixes

as espigas de ouro.

Levam-nas embora,

e, no brejo, lá fora,

inda fica o espantalho,

um homem em cruz,

Molambos e retalhos

em cruz.



Feliz o passarinho sem complexos

que pousou em seus ombros,

sem medo,

fazendo do espantalho

um papão de brinquedo,

que aponta à passarada,

ao lado das estradas,

sombreadas de escuro,

as espigas maduras.


Poema dedicado ao Dr. Amilar da Cunha Menezes, grande amigo e admirador de J.Um, criador do Jornal "A Peneira", seu colega como Advogado e Professor do Ginásio Virginópolis e do Colégio Estadual de Divinolândia de Minas.

                 




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