quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Por que? 27/4/1969 - "A Peneira" N° 72 - J.UM



POR QUE? 

J.UM
























Por que cérebros eletrônicos,

viagem à lua, transplante,

e a eletricidade  tão complicada,

geradores, fios, isoladores e lâmpadas?

Devia ser como o rádio

e a televisão.



Por que tanto binóculo contra Manhattan,

e tanta peneira nos olhos

para não ver o Sol Rubro cinquentão de 1917,

surgido da nebulosa do crâneo de Marx?

E ele “êi vem, êi vem, êi vem!”.




Por que tanta gente convencida

e tanta gente burra,

que nem desconfia

de desconfiômetro?

 

Por que tantos

tão persistentes

em pactuar com a injustiça?



Por que  tanta alma boa

na amargura, a vida inteira,

debaixo de uma carga

que faz adoecer?



Por que tanta lágrima humilde

derramada  às ocultas,

e tanto riso de safardana

em que a polícia

devia baixar a borracha?



Por que essa bobagem de “superar”

e esse trem horrível de “conscientizar”?

Por que tanta poesia em “Alguma Poesia”

e nenhuma poesia

em muita charada esotérica?



Por que tanta gente como Raquel de Queiroz

e Henriqueta Lisboa,

e tanta gente como... Deus me perdoe!



Por que o escrúpulo

que cansa e arrasa a alma

e a predispõe às quedas tristes?

Por que domina nos santos

a tônica da angústia?



Por que é que a vida passa

e a gente fica em pé,

olhando na treva,

a escutar as trevas,

como depois de um sonho mau

que ainda parece vida?



Por que, Deus de bondade,

por que não quebras para sempre

a forma do acanhamento deformante?



Por que é a poesia

uma moça nua em quarto escuro,

e não quer vestir roupa?



Por que é a vida

vigília, vigília, vigília,

sem a manhã do sonho?








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