PESAR (título dado
pelo Editor)
Antônio Pinheiro Costa
Mariana, 3 de abril de 1972.
Prezada Dª Maria Aguiar,
Consternados, ainda, com a infausta
notícia do falecimento do nosso particular e fraternal amigo Dr. Rabello,
preocupamo-nos, agora, com a dor de todos vocês, a sua grande família, perda
irreparável, que constitui o passamento deste ente tão querido e amado.
Mas acreditamos firmemente que a Divina
Providência, em sua bondade infinita, dará a todos a força e a resignação
necessária para ultrapassar este instante dorido, pois, afinal, tudo está
previsto em seu plano da criação.
Além do mais, vocês constituem uma
família privilegiada, por ter tido em seu seio, um homem tão extraordinário.
Uma cidade não significa nada, será uma
simples porção de terra emoldurada por seus edifícios, se não for medida pela
qualidade de seus filhos.
Virginópolis, que Dr. Rabello sempre
amou, só pode ser devidamente mensurada após tomar-se a medida imensa do
contorno moral e intelectual deste seu grande filho.
Adventício que era, tão logo que
cheguei a nossa Virginópolis, procurava ansiosamente distinguir a silhueta da
minha nova Comarca, com o sobrolho carregado de incertezas e preocupações, já que
ela localizava-se em distante rincão mineiro e estava encravada no famigerado
Vale do Rio Doce, do qual me falavam verdades e lendas pouco recomendáveis.
Que felicidade foi distinguir, na nossa
primeira visão de Virginópolis, que vizinhando-se com a silhueta da torre de
sua Matriz, estava a estatura moral e cultural deste grande virginopolitano.
Esta simbiose feliz, de um templo de
Deus como medida da altura física e moral da nossa cidade, representa, também,
uma síntese da vida do Dr. Rabello, pois foi, a um só tempo, um expoente de
Deus e das coisas dos homens.
Sendo uma das mais belas filigramas
criadas nas oficinas do imortal Caraça, este grande homem mantinha, na mesma
altura da sua vastíssima e impressionante cultura, um profundo e autêntico
sentimento religioso, suplantando em conhecimentos de nossa religião muitos de
nossos virtuosos sacerdotes.
Impressionou-me, sobremaneira, como
este homem se dava integralmente ao próximo, no mais profundo sentimento de
caridade cristã.
Ele deu-se totalmente à sua família,
pois, após curso brilhante na casa de Afonso Pena, que poderia guindá-lo aos
píncaros pessoal se permanecesse num grande centro urbano, ao contrário,
retornou a sua então pequena Virginópolis, para assistir a seu pai enfermo, e,
em seguida, foi um incessante dar-se.
Deu-se à sua cidade, sendo o principal
soldado de seu desenvolvimento, seu permanente professor, seu advogado
indobrável e intimorato.
Deu-se aos humildes como ninguém até
hoje, em Virginópolis, o superou.
Quantas e quantas vezes o vi debater-se
na tribuna forense no patrocínio dos pobres, cujo mandato dativo nunca recusou.
Quantas e quantas vezes o vi assumir a
tribuna do júri e vergastar os poderosos em favor dos fracos, bem como, com
bravura indômica, agredir os descalabros dos politiqueiros e os desregramentos
dos costumes.
Até nos fins de seus dias, este homem
foi um grande.
Todos testemunharam a coragem com que
ele sobrepôs ao sofrimento, e só um homem que tem a consciência de seu dever
cumprido, aqui na terra, poderia confrontar-se com a morte com tanta altivez.
Este foi Dr. Rabello, e constituiu,
para mim, uma das minhas maiores honras, ter privado de sua amizade.
Abraços,
Antônio Pinheiro Costa e família
Nota: Dr. Antônio Pinheiro Costa foi Juiz de Direito na Comarca de Virginópolis, de 1968 a início da década de 70. Era admirado por meu pai e tornaram-se amigos.
Em 1972, estava na comarca de
Mariana, MG, de onde escreveu esta carta à minha mãe,
Dª Maria José de Aguiar Coelho.
Celina Rabello
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