sábado, 23 de novembro de 2013

Pesar - 20/05/1972 - “A Peneira” Nº 142


PESAR    (título dado pelo Editor)

Antônio Pinheiro Costa


Mariana, 3 de abril de 1972.

Prezada Dª Maria Aguiar,


Consternados, ainda, com a infausta notícia do falecimento do nosso particular e fraternal amigo Dr. Rabello, preocupamo-nos, agora, com a dor de todos vocês, a sua grande família, perda irreparável, que constitui o passamento deste ente tão querido e amado.
Mas acreditamos firmemente que a Divina Providência, em sua bondade infinita, dará a todos a força e a resignação necessária para ultrapassar este instante dorido, pois, afinal, tudo está previsto em seu plano da criação.
Além do mais, vocês constituem uma família privilegiada, por ter tido em seu seio, um homem tão extraordinário.
Uma cidade não significa nada, será uma simples porção de terra emoldurada por seus edifícios, se não for medida pela qualidade de seus filhos.
Virginópolis, que Dr. Rabello sempre amou, só pode ser devidamente mensurada após tomar-se a medida imensa do contorno moral e intelectual deste seu grande filho.
Adventício que era, tão logo que cheguei a nossa Virginópolis, procurava ansiosamente distinguir a silhueta da minha nova Comarca, com o sobrolho carregado de incertezas e preocupações, já que ela localizava-se em distante rincão mineiro e estava encravada no famigerado Vale do Rio Doce, do qual me falavam verdades e lendas pouco recomendáveis.
Que felicidade foi distinguir, na nossa primeira visão de Virginópolis, que vizinhando-se com a silhueta da torre de sua Matriz, estava a estatura moral e cultural deste grande virginopolitano.
Esta simbiose feliz, de um templo de Deus como medida da altura física e moral da nossa cidade, representa, também, uma síntese da vida do Dr. Rabello, pois foi, a um só tempo, um expoente de Deus e das coisas dos homens.
Sendo uma das mais belas filigramas criadas nas oficinas do imortal Caraça, este grande homem mantinha, na mesma altura da sua vastíssima e impressionante cultura, um profundo e autêntico sentimento religioso, suplantando em conhecimentos de nossa religião muitos de nossos virtuosos sacerdotes.
Impressionou-me, sobremaneira, como este homem se dava integralmente ao próximo, no mais profundo sentimento de caridade cristã.
Ele deu-se totalmente à sua família, pois, após curso brilhante na casa de Afonso Pena, que poderia guindá-lo aos píncaros pessoal se permanecesse num grande centro urbano, ao contrário, retornou a sua então pequena Virginópolis, para assistir a seu pai enfermo, e, em seguida, foi um incessante dar-se.
Deu-se à sua cidade, sendo o principal soldado de seu desenvolvimento, seu permanente professor, seu advogado indobrável e intimorato.
Deu-se aos humildes como ninguém até hoje, em Virginópolis, o superou.
Quantas e quantas vezes o vi debater-se na tribuna forense no patrocínio dos pobres, cujo mandato dativo nunca recusou.
Quantas e quantas vezes o vi assumir a tribuna do júri e vergastar os poderosos em favor dos fracos, bem como, com bravura indômica, agredir os descalabros dos politiqueiros e os desregramentos dos costumes.
Até nos fins de seus dias, este homem foi um grande.
Todos testemunharam a coragem com que ele sobrepôs ao sofrimento, e só um homem que tem a consciência de seu dever cumprido, aqui na terra, poderia confrontar-se com a morte com tanta altivez.
Este foi Dr. Rabello, e constituiu, para mim, uma das minhas maiores honras, ter privado de sua amizade.
Abraços,

Antônio Pinheiro Costa e família


Nota: Dr. Antônio Pinheiro Costa foi Juiz de Direito na Comarca de Virginópolis, de 1968 a início da década de 70. Era admirado por meu pai e tornaram-se amigos.
Em 1972, estava na comarca de Mariana, MG, de onde escreveu esta carta à minha mãe, 
Dª  Maria José de Aguiar Coelho. 

 Celina Rabello





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