segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Balada do Canário do Reino - 25/08/1968 - “A Peneira” Nº 40 - J.UM



BALADA DO CANÁRIO DO REINO

 J.UM

À Natália Campos                                                 




É um novelo de oiro pálido,

no puleiro da gaiola, de noite.

É o chicote enrolando

a corda da melodia para o açoite.



O galo cantou, primeiro, no terreiro:

São Pedro. Jesus.

Quando a frincha da janela,

deixar passar a luz, através,

será a minha vez.



Galo.

Você é o bedel da Faculdade do Dia.

Eu sou a quarta dimensão.

Senhora Dona da Casa,

abra a torneira:                                                            

eu vou duetar com a água.



Vou metralhar de semifusas

a emborcada bacia azul do firmamento.              

Vou furá-la de sons fosforescentes,

como peneira encantada.



Vou mandar, nas ondas magnéticas,

uma horda de mensagens polifônicas,

para as galáxias da barra da saia

do espaço redondo.



Vou atirar uma echarpe de seda

toda azul

nos braços do Cruzeiro do Sul.

Vou desenhar nele

o Kennedy crucificado,

bonito como o Cristo do Corcovado,

coroado

com o auriverde pendão da minha terra,

abrindo os braços

a quinhentos milhões de nebulosas.
Nebulosa Mz3

Vou povoar de discos voadores

gotejantes de notas sangrentas

as estradas azuis da cúpula do mundo.



Vou arremessar aos ares

foguetes espaciais

de fusas e semifusas.

Vou garatujar na Lua

o palhaço do Gagárin,

com um martelo na orelha

e a foice no pescoço,

para a adoração prostituída

do infinito – negativo dos parvos.


A Via Láctea

Vou acender, na Guanabara da Via-Láctea,

uma lagarta de fogo, em notas multicores.

Vou enfeitar de barbelas cintilantes

a lança do sagitário.  
                                  
Vou farpear uma bandarilha

de músicas dolentes de Espanha

no toutiço enrugado do Touro de abril.

Vou escrever as notas da escala

nos degraus dos Sete Céus,

amarrar um bambolê de notas inflamadas

na cauda do Leão,

encurralar, num círculo de árias chamejantes,

o Scorpio complexado.

Vou guizalhar-lhe a cauda

numa loucura de crótalos sonoros.

Vou colar um losango de semínimas,

entrançadas em Signo-Saimão,

entre os cornos do Capricórnio.



Vou mandar minhas notas, em surdina,

em fogos de lágrimas,

a melodia mais suave,

a música mais fina

ao Aquário longínquo. 
                     


Vou nele gotejar

notas em pétalas de rosa,

de rosa purpúrea e bela

entre os goivos da campa do Ideal.



Meu canto é um vaquejar de estrelas,

pelos sertões do céu

farpeados de cometas.



Vou acordar as sinfonias dormitantes

nas dobras da túnica do Universo.



Vou ritmar, em velocidades de loucura,

as tempestades lancinantes de Wagner

e os oráculos oníricos de Beethoven.

Vou tecer, de arabesco de colcheias,

uma mini-saia para a Virgem,

uma brassière de sustenidos,   
                      
rendilhada de arpejos e gemidos.

Vou cingir-lhe

ao mármore santo dos ombros

uma bandana de seda aurifulgente.

Ela vai dançar, num saracoteio de virgem  dopada,

como as Coribantes de outrora

na passarela do Zodíaco,

para estremecer

a plateia cor de opala

das galáxias pensativas.



Porque eu sou a quarta dimensão:

preexisto à plasmação dos Cosmos.

Sorri, quando Criador fez a luz,

cantei, quando Deus criou o som.



Vou soltar, pelos palcos estrelados,

num clangor de relinchos e de

trompas,

no ulular feminino das Bacantes,

a cavalgada louca das Valquírias.





Por entre o alarido

dos cometas desgrenhados

e o esborôo dos sistemas fumegantes,

ao tumulto dos conflitos estelares,

ao impacto dos sois moribundos,

ao chamejar das nebulosas na negridão

do espaço.



Vou acordar,

com o tumulto de fanfarras clamorosas,

o silêncio aterrante,

o silêncio eterno

desses espaços infinitos,    
                              

com este meu quérulo gorjeio,

- pipilante angústia do Efêmero,

- grito fracassado do Ideal.

















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