quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Coroação de Nossa Senhora - "Coroa de Luar" - Nº 3 - J.UM

COROAÇÃO DE NOSSA SENHORA 

"Coroa de Luar"

J.UM  (letra e música - pauta não encontrada)







COROAÇÃO DE NOSSA SENHORA - Nº. 3

"Coroa de Luar"

J.UM (letra e música)

Solos

A natureza toda em flor
Vem enfeitar
Nossa Senhora d’esplendor.
Ó Mãe, é todo teu,
É teu, ó Mãe do Céu,
O nosso amor!

Aceita, ó Mãe, as lindas flores
Que colhemos
Na campina e no vergel,
Junto a nossos louvores,
Com o nosso coração a ti fiel.

Ó Mãe, recebe esta coroa
Toda feita dos encantos do luar.
Concede, ó Mãe tão boa,
Possamos, lá no céu, te coroar.

Neste mês que é teu,
Viemos flores te trazer,
Olha lá do Céu,
Com que fervor, com que prazer.
Vê, Mãe singular,
O simbolismo que há na flor
Que vai te levar,
Em leve aroma, nosso amor.

Mãe de todos nós,
Mãe carinhosa, linda e boa,
Ouve a nossa voz
Te oferecendo esta coroa,
Para de esplendor
A tua fronte entretecer.
E do nosso amor
Perenemente te dizer.


Coroação de Nossa Senhora - Nº. 2 - 03-05-1965 - J.UM

COROAÇÃO DE NOSSA SENHORA 

"Ó Virgem Esperança"


  J.UM  (letra e música)  – L. D. V. M.






COROAÇÃO DE NOSSA SENHORA - Nº. 2

"Ó Virgem Esperança"


J.UM  (letra e música) – 03-05-1965 – L. D. V. M.

Coro

Ó Virgem, esperança de todo coração,
Pus minha confiança em vossa proteção.
Cantando, de alegria, vos vimos coroar.
Queremos, neste dia, Rainha vos sagrar.

Solo 

Ó Virgem poderosa, Mãe de Nosso Senhor,
Tomai esta coroa, sinal de nosso amor.
Da morte venturosa,
Mãe Santa do Senhor,
Da sorte mais ditosa
Sois vós feliz penhor.

Coroação de Nossa Senhora - "Ó Maria Concebida sem Pecado Original" - Nº 1 - Dezembro 1970 - J.UM

COROAÇÃO DE NOSSA SENHORA 

"Ó Maria Concebida sem Pecado Original"

 J.UM (Letra e música) 









COROAÇÃO DE NOSSA SENHORA - Nº. 1



"Ó Maria Concebida sem Pecado Original"

 J.UM (Letra e música) – Dezembro de 1970

Coro

Ó Maria concebida sem pecado original,
Será teu, por toda vida, nosso afeto filial.
Quanta porfia em toda parte,
Ao celebrar tua grandeza,
Mas não conseguem engenho e arte
Bem retratar tua beleza.

 Solos

Quantos poetas que cantaram,
Em versos cheios de harmonia
Quantos talentos musicaram
Os teus louvores, ó Maria!

Vimos trazer-te estas flores –
Sorrisos são de vale e monte –
Para, no altar, entre esplendores,
Te exornar a linda fronte.

Ó Mãe, recebe esta coroa,
Nosso penhor de amor ardente;
Dá-nos, no céu, ó Mãe tão boa,
Te coroar eternamente.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Poema saudando a chegada do livro - 12/06/1957 - J.UM

(Sem título)

12/06/1957 - Escrito para que sua filha, Annette Maria Rabello Campos, declamasse na chegada do livro a sua classe, no 1º ano Primário, da Profª. Celeste Campos Coelho, no Grupo Escolar Nossa Senhora do Patrocínio, de Virginópolis.



Bem-vindo sejas, ó livro,
Da nossa classe o primeiro!
Tu vais ser o nosso amigo,
Durante este ano inteiro.

De manhã, ao levantar-me,
Sôfrega, te irei abrir.
Chegada a noite, ao deitar-me,
De ti me irei despedir.

Quero guardar na lembrança
Todo teu ensinamento.
Prometo não te olvidar,
Uma hora, um só momento.

Peço a Deus que me dê luz,
Me conforte o coração,
Para que possa aprender
Muito bem cada lição.

Quando estiver bem velhinha,
Hei de contar às crianças
Tuas histórias bonitas
-minhas passadas lembranças.


José Rabello Campos

sábado, 7 de maio de 2011

Discurso para o Dia Dos Pais - Agosto de 1962 - J UM

Texto escrito para o discurso proferido por seu filho, José Lupciano Rabello Campos, pelo Dia dos Pais, comemorado no Cine Lili, em Virginópolis - MG, em 1962.

José Lupciano Rabello Campos


    O Diretor mandou-me falar sobre alguém cujo elogio está no próprio nome: o papai.
    Depois de “mãe”, é, certamente, o nome mais doce para nós.
Existe sim, um homem que não vive para si, cujo destino próprio como que se interrompeu para confundir-se com o da esposa e o dos filhos.
    Semelha uma torrente que, chegando a uma planície, se partisse em dois, três, ou mais caudais, e, daí para a frente, não mais retornasse ao antigo leito.
    Coitado do meu papai! É um homem sem destino próprio. Porque vive por nós e para nós.
    Todas as manhãs, chova ou faça sol, esteja bem disposto ou com a saúde combalida, sai para o trabalho. E esforça-se rijo para nos manter. E nós sabemos que, esteja onde estiver, tem o pensamento na família.
O papai já não tem vaidade, ou se alguma vaidade tem, se tem um orgulho, é uma vaidade e um orgulho que não ofendem ao bom Deus: é a família, é o bem estar de todos nós; é o desejo de que venhamos a ser melhores do que  ele em tudo aquilo que é bom e que dignifica a criatura humana. Sim! O papai deseja que eu seja melhor do que ele, mais instruído, mais piedoso, menos pobre; que eu tenha mais projeção na sociedade e desempenhe em minha Pátria um papel menos obscuro; que eu deixe o meu nome nas páginas da história ou nas da santidade; que eu seja um vulto eminente ou um santo.
Tudo isso é a ambição que nutre meu pai, é o fim por que vive, é a balisa para que se encaminha, é o prêmio que almeja, é a recompensa que ele cobiça. Eu sei que procura dar-me muito do que nunca teve. Sei que só me deseja o bem, e que, quando me chama a atenção é com o coração doendo e porque deseja evitar-me o mal. Tendo maior conhecimento da vida, segue à minha frente afastando os obstáculos, retirando da estrada os espinhos e os empecilhos para que se não magoem meus pés.
Quando me aponta o trabalho e o cumprimento do dever, é porque está certo de que o homem somente pelo trabalho se nobilita, e de que é o cumprimento do dever o único caminho para o êxito na vida.
    O papai é o meu melhor amigo. O amigo que não falha; o amigo que se alegra com meus triunfos e comigo se entristece nas circunstâncias adversas. É o representante da bondade e da solicitude de Deus na terra.
Eu, às vezes, me ponho a pensar na justiça de Deus que há de punir as minhas culpas, e tremo. Mas, quando penso que Deus é, antes de tudo, o mais amoroso de todos os pais, torno-me confiante, pois conheço quanto meu pai é bom e quanto bem me quer.
Papai tudo faria para me ver feliz, e, se necessário, não hesitaria em sacrificar a própria vida, para salvar a minha.
    É esta a comemoração de hoje. Felizes os que têm um pai vivo, para lhe significarem o seu afeto. Aqueles que já o perderam, estão privados do seu melhor amigo.
    Chovam bênçãos do céu sobre o meu pai e sobre sua vida; que seus dias corram tranquilos; e que eu seja sempre honesto, para jamais o tornar infeliz.


José Rabello Campos

quarta-feira, 30 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: "Vou Comer Cará" - 24/12/67 - "A Peneira" Nº 04 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: "VOU COMER CARÁ"

J.UM

Colégio do Caraça com a igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens
            Para onde é que você vai, menino?
Vou para o Caraça comer cará. Brincadeira trocadilhesca de menino da roça, que pensa estar fazendo muita vantagem. Vai ser bobo, trem!
            Era a imagem do Caraça, velho educandário, severo, com uma tarimba, àquele tempo, de quase cem anos, de serviços a Minas e ao Brasil. Caraça de Afonso Pena, do ministro João Ribeiro, Artur Bernardes, Raul Soares, Melo Viana, Olegário Maciel e de tantos outros que deixaram ao Brasil ricas lições de honradez. Vamos devagar.
            Você vai para o Caraça? Então se prepare para enfrentar seis anos de preparatórios, com raros “suetos” (feriados), férias passadas no próprio colégio.
            Concluído o terceiro ano, o ano peneira (desculpe, Peneira, foi sem querer!), você, se não tomar bomba, poderá ir passar em casa três semanas, três semanas só, após uma viagenzinha de cinco dias a cavalo, viajando na média, oito léguas diárias.
            Você vai para o Caraça? Então não será já o galinho do São Bento, sempre respeitado e adorado pelos companheiros, os seus malungos da roça, que você, aliás, sempre adorou.
            Você vai para o Caraça? Então adeus primeiro lugar na Escola, porque você vai topar com os nortistas educados pelos “fetedês”, inteligentes pra peste. Você não fará ruim figura, é certo, mas, primeiríssimo, nada! Além disso, lá vão com você dois meninos cobras – o Zé Júlio e Zé Lourenço – sempre à sua frente alguns passos. Você será bom em todas as matérias, mas, do segundo ano para a frente, você vai ver, com o Padre Bernardo, que falta no seu cérebro, um quartinho estanque, uma gavetinha, a das santas matemáticas. Em matemática, todas as picadas que você abrir, se sujarão, de novo, e você terá de abri-las, cada vez que delas precisar. Você vai ver Zezé do Juca Campos: com notas sempre boas, você terá, cada fim do primeiro e segundo semestres, quatro em matemática, sempre quatro, constante e matematicamente quatro. E foi para isso que homem nasceu, meu Deus! Para tirar quatro em matemática! Que complexo para a vida! Com que temor reverencioso e sagrado você olhará os semi deuses que são os matemáticos, os quais, ao fitá-lo, parecem dizer-lhe: “odi profanum vulgus et arceo”!

 Prof. José Lourenço - Caracence  e colega de José Rabello Campos




Do São Bento ao Caraça: Sete Dias - 07/01/1968 - "A Peneira" Nº 06 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: SETE DIAS

 J.UM


Dia 14 de Agosto de 1916, de manhãzinha, parti do São Bento em companhia de meu mano, Chiquinho Campos. Perdõem ter que falar sempre de mim, porquanto estou falando sobre o Caraça, e como falar do Caraça sem falar da gente que dele se embebeu e dele se informou?

Parti do São Bento. Mamãe chorava, desde a véspera, e, ainda cedinho, ajoelhada junto das canastras,suspirava e chorava, com recato, colocando tudo quanto há de que poderíamos necessitar na longa viagem: carretel de linha, agulha, sabonete, roupa de cama, pente, escova, tudo, tudo. Mulher da escritura. E, hoje, “mulierem fortem quis inveniet?”

 Julguei que meu pai não chorou, ao abençoar-me. Pobre psicologia de criança, tão aguda em certos aspectos e tão ingênua em outros. Homem patrocinense daqueles tempos chorava para dentro. Os monossílabos estrangulados eram, Deus sabe, um choro estentórico da alma varonil e extremosa de papai. 


A última pessoa do São Bento que vi na estrada, foi o Quinco Maciel. Adeus, Quinco! Sem nem lhe dar a mão. Mineirinho que chorava como um chafariz, e tinha vergonha de mostrar-se saudoso e afetuoso, estreitando o Quinco num abraço franco. Oh! Quinco, se você soubesse as vezes em que o orgulho, a autocrítica me impedirão de, abraçando as oportunidades, viver plenamente a vida e gozar de pequenos triunfos, usando os recursos minguados que Deus me deu! Mas a vida é assim mesmo. E a humanidade é, regra geral, egoísta. Há pessoas amigas que querem projetar-nos. Cansam-se, entretanto, ao esbarrarem, de seca e verde, com a estrutura da gente. Quem rompe estrutura de aço? Quem levanta, no engenho, um boi teimoso como os do Piauí? Fica pra lá, trem. Na grande tela da vida pincelada por Deus, estão previstos todos os efeitos. Tem que haver sombra e tem que haver luz. Sombra? Há os indivíduos-sombra para que se destaquem os pontos luminosos. Estava tudo previsto: os gênios, os talentos, os meia-tigela besuntados do carisma da imodéstia e do avança, do pega o queijo no ar. Sim, o “avanço” é carisma. O medalhão é carisma. Quanto carisma, meu Santo Deus! Quanto mini-saia na política e nos postos-chave! Mini-saias? Pra quem é, serve.


Do São Bento ao Caraça : João Farias - 21/01/1968 - "A Peneira" nº 08 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: JOÃO FARIAS 

 J.UM
 

Virginópolis antiga - MG
            Ora, bem! no arraial, agregamo-nos à caravana que seguia para o Caraça. Éramos: o Luís Amaral, que retornava para o quarto ano, e a turma dos novatos: Tonico e o seu Quim Bento, Zé Júlio, Zé Lourenço, Elifas, Zé e este criado de vocês, o mais matuto de todos. Íamos de calça comprida, chapéu de lebre de boa aba, ceroula chegando até o tornozelo: no Caraça era assim. Mais despedidas, sendo somente eu o chorão, ao despedir-me da Nica adorada, de Vovó Augusta, Tio Antônio e Raimunda. De véspera, mandara-me papai ao Seu Guedes para um check-up. Seu Guedes recomendava-me não comer dos cocos do Caraça, por fazerem béri-béri. Estava na sala o João Farias e estranhou me mandassem tão novo para o colégio. O Guedes, coçando a orelha, naquele seu jeito característico, acudiu: “Não faz mal, João, é assim mesmo que é bom. O estudo entra bem é na cabeça de menino”. Velho e bom Seu Guedes, caracence da gema, pai dos ricos e dos pobres, já apresentaste os comprovantes a São Pedro? 


Virginópolis antiga - MG
          Adeus, Patrocínio de Guanhães! Seu João Coelho, coitado, que sempre aplaudiu a instrução, fez-nos o bota-fora até o fim da rua da Várzea. Chamava tudo de “coisa”, por ser mais simples, talvez. “Adeus, coisa! Dá lembrança aos coisas!” “A benção, seu Joãozinho!” Seu Quim Bento, irmão do Seu Joãozinho, era o chefe da caravana, pois o Tonico lhe era filho: Já velho e pachorrento, fez-nos gastar sete dias na viagem de mais ou menos trinta e nove léguas.          
 





1º Grupo Escolar Nossa Senhora do Patrocínio em VIrginópolis

              Eta mundão de meu Deus: Penhora, Serra da Gaforina foram acidentes geográficos notáveis que desconhecíamos. Tínhamos tomado bom café na casa do Levi Pereira, e a prosa se foi animando. O Tonico era o mais entusiasmado para ser padre e sacudia os pés no estribo, o tempo todo. O Zé Lourenço, montado na bestinha do Sabino, era, vez ou outra, por ela levado até o meio dos assapeixes que a diabinha da besta empacava mais que carneiro pirracento. Arranchamo-nos no João Farias. O termo é, mesmo, “arranchar”. No rancho de tropa, ao lado do curral batia-se a trempe. Feijão no caldeirão, arroz na panela de alça, e, em primeiro lugar, fumegava o meu grande amigo, o café. Depois, à noite, prosa até a chegada do João Pestana. A gente rezando baixinho: Anjo de Deus, que sois a minha guarda. Dormir.
           
vasilhame de rancho de tropeiro

Do São Bento ao Caraça: A Porca - 28/01/1968 - "A Peneira" nº 08 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: A PORCA


J.UM                                           

  Ao meio da noite quando já começava a segunda etapa de sonhos, um barulho. Acordo, por último, como até hoje, e vislumbro um luzir de dois tições manejados pelos camaradas, Barnabé e João Avelino. Um grito estridente e grunhido. Era uma porca, dessas que têm o rubro amor da bóia, que se safava, esbordoada, mas preso à tromba meio quilo de bom toucinho roubado à capoeira, onde  guardavam o produto.


O Elifas, meio aprumado no colchão, por cima do couro de boi, olhava com aquele olhar espantado, expressão máxima de sua emoção, antes de falar qualquer coisa  gaguejada. Risada gostosa do Tonico. Gargalhada franca do Zé Júlio, quando o ridículo de uma situação lhe agulheta o cérebro.

Ah! Sim. Virar para o canto, dormir de novo, antes que os outros durmam tudo, fixando a lição de moral que me deixara a porca do João Farias: personalidade, persistência, agarrar o toucinho e não o largar, haja o que houver, paulada ou não paulada.

Na antemanhã, quando os galos da fazenda davam as últimas corridas de saxofone para a entrada da aurora no palco do dia, já soava no curral o toque do cincerro do burro da cozinha. Bufado soprado dos animais, virando o bornal para o alto, numa cadência ritmada para que os bagos de milho lhes descessem às bocas aradas. A melodia sugestiva do moca a cair na palangana, o cheiro bem vindo do feijão na gordura legítima, para o almoço antes da partida. Todo mundo de pé se estremunhando rumo às bicas, para tirar a ramela dos olhos, o sebo da orelha e o visgo dos dentes.


Arrear  os animais. Os cavalos e burros, tendo achado bom pasto, tinham as barrigas abauladas, ar alegre de quem está bem disposto para mais sete léguas. Vamo-nos embora. Gema de terra do nordeste, com tuas árvores frondosas, teu capim meloso, teus adragos, assapeixes, jacaré, lagartixa, embaúba – cabeleira de corpo fértil – ir-te-ás mudando, perdendo a tua força até a natureza do Caraça, com pequenas árvores de terra seca, pedregosa e areenta. Tu não tens o perfil olímpico das montanhas azuladas, cheias de titãs de pedra. Tu és feia para quem em ti não nasceu. Mas hás de ficar no nosso sangue, a vida inteira, e serás sempre para nós a mãe risonha e bonita de seios fartos e de leite gostoso.

Vamo-nos para frente, minha gente. Pra frente rumo a Ferros. Vamos ter a primeira grande emoção da vida.
                                                                            
Ferros antiga










terça-feira, 29 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: Aurora - 04/02/1968 - "A Peneira" Nº 10 - J.UM

DO SÃO BENTO AO CARAÇA: AURORA


J.UM

Ferros antiga - MG

           Para um menino da roça, foi um acontecimento a entrada em Ferros. A primeira cidade que eu conheci. Meia légua antes de qualquer cidade, há os vestígios da aproximação de um aglomerado humano. Um quê de indefinível na paisagem, maior extensão de pastos cuidados, mais gente pelos caminhos. Estamos andando, andando, deixando para trás uma ou outra tropa. Dizem que no triângulo há um monumento ao zebu. No Nordeste falta uma estátua ao burro. Não como símbolo intelectual para a região, é claro, robusto, paciente, pertinaz e... inteligente. Inteligente, sim. Talvez assistisse razão ao carroceiro lusitano, que com sua musculatura de respeito ajudou o burro arquejante a arrancar do atoleiro a carroça pesada, e, então, tirando o chapéu e batendo na testa, apostrofou o valente asinino: ‘olha, colega, tu podes ter mais inteligência que eu, mas, muque, lá isso é que não!’ Bom povo português, que adoramos, perdoa-nos a irreverência, que é, muita vez, a paradoxal expressão de amor.

            Foi o burro que construiu o nordeste, transportando-lhe os produtos, e carreando, de Ouro Preto, Caeté, Diamantina, Sabará, Santa Bárbara, e até do Rio, os panos, as sedas, as rendas, o sal, o trigo, as ferragens, a louça e vasilha, até os santos para as igrejas e as lajes para as sepulturas.

            Penetramos gloriosamente em Ferros. Mateirinhos consertando o corpo, dando um jeito ao lebre e aprumando-se nos estribos, como se fôssemos alguma coisa. Catrau, catrau, catrau, três, três, três. Chispa a esguichar do pé-de-moleque ao raspar das ferraduras. Alguma moça desocupada acudindo displicentemente à janela. E nós, o centro do mundo. "Curuz"!

            Em um chafariz, a estátua de Aurora e de sua companheira, cujo nome não há santo que me faça lembrar: as duas primeiras índias que se batizaram no Brasil. Parece uma coisa à toa, mas, que impacto, gostoso no pensamento e no senso estético da criança que vê objetivado o que aprendera no livro.

ponte na cidade de Ferros - MG
            Ferros foi-se batendo para a retaguarda. Oh! coração que jamais te enches, já estás a ansiar por conhecer Itabira do Mato Dentro, a fábrica da pedreira, São Gonçalo do Rio Abaixo e Santa Bárbara. Quem de criança, após verificar que o céu não topa com a terra no cabeço daquela serra, não desejou um poder de visão que ultrapasse as lindes do horizonte e alcance o mundo formigante, cidades, regiões palpitantes de vida e de intercurso humano? No entanto, quantos conhecem menos do que a gente, quando afinal, têm o mesmo direito ao exercício de suas faculdades e a um campo maior para seus esforços. Labutam no campo ou na cozinha, a vida inteira, produzindo, sacrificando-se, mas numa estagnação e sujeição contrária à própria índole. No geral, entretanto, pensamos que eles que tiveram maiores oportunidades do que nós. Lembra aquele menino. A casa era um colégio de quatorze filhos. Os quartos, dormitórios. Tempo de frio. A mãe corria os dormitórios antes de se deitar, zelando pelo agasalho dos meninos. Cobre um aqui, achega o cobertor ao pescoço de outro, acolá. Passando junto do mais velho, pede este mais uma coberta.

            -Ah! meu filho, não há mais cobertas. Pense nos pobrezinhos que não têm nem as cobertas que nós temos.

            -Não, mamãe, eu fico pensando é nos filhos dos ricaços que, à uma hora destas, estão atochados debaixo de cada cobertor de meio palmo de grossura.

vista do Caraça a partir do cruzeiro

















segunda-feira, 28 de março de 2011

Do São Bento ao Caraça: Santa Bárbara - 03/03/1968 - "A Peneira" N°14 - J.UM 

DO SÃO BENTO AO CARAÇA:  SANTA BÁRBARA 

J.UM
                   


Itabira antiga - MG

 De Ferros a Itabira são boas onze léguas. Itabira ainda não tinha sido honrada com o conto bestial de Viriato Correia. Por Itabira passamos. Casarões antigos.Gente de casimira pelas ruas, em pleno dia de semana. Os ferreiros fazedores de martelos e puxavantes bem torneados. O Cauê.

Seguimos pelas estradas de campo. Sempre penetrei com gosto pelo arraial da natureza. Longe da observação dos outros, sentimo-nos mais senhores de nós mesmos. Nossa individualidade reponta. Há menos inquietação e mais dignidade. A vida social, mal necessário, gregariza o homem e o estandartiza, põe-lhe recalques e servilismo.

Vejam, mesmo nas revistas, a serena dignidade dos selvagens. Não é orgulho que lhe ressumbra das feições e do olhar. É a autoconfiança, é ausência de medo. A natureza acalma e dignifica. Ainda há pouco, me contava um amigo, de dois índios que viu em Cuiabá. Percorriam as ruas, eretos e majestosos, alheios à observação dos transeuntes ou dos grupos. Eram dois soberbos espécimes de selvagens. Ficou meu amigo tão embevecido que, quando se lembrou de que trazia a tiracolo a Kodak, já era tarde. O selvagem, em certo ponto leva vida social mais completa, pois sua condição é tribal. O contato perene com a natureza corrige, contudo, os corolários inferiorizantes da vida em sociedade e mantém genuíno e sereno o selvagem.


Ao passo compassado dos animais, varando planícies e vales, furando capões de mato e capoeiras grossas, transpondo ribeirões borbulhantes escutando, a espaços, a melodia sonora e concertada da passarada, bebendo café novinho de algum tropeiro patrício, dormindo nos ranchos que pontuavam a longa estrada, ao crepitar do lume que cozinhava o feijão, quase à luz das estrelas de agosto, foi-se cumprindo nossa derrota até Santa Bárbara do Coronel Juventino Dias, de Duarte de Oliveira e do Padre Brocojó. Santa Bárbara, a meca do café nordestino, do nosso toucinho, do fumo afamado de Patrocínio de Guanhães. Santa Bárbara onde o Joaquim “Cem Quilo”, o Jaleco, o Niquinho, o Benjamin Felipe, o Tomé, o Zé Faustino, o João Paranhos, o Salate, o Samambaia, Zé Camarada e tantos outros tocadores de burro passearam a sua força, as piadas ou as suas potocas.                                                                                                                                                          
 
Santa Bárbara antiga - MG